por
José Duarte
(Professor
Adjunto do Departamento de Tecnologias
de Informação e Comunicação da ESE)
Pai,
tenho computadores na minha escola!
Três
histórias ...
Bruno
é uma criança negra, filho de pais cabo-verdeanos que
vieram para Portugal há duas décadas. Tem 13 anos e frequenta
o 6º ano de uma escola básica em Setúbal. Nunca tinha
visto um computador e muito menos trabalhado com ele.
Hoje corresponde-se por correio electrónico com jovens
brasileiros graças a um projecto que visa a construção
de histórias interactivas que decorre sob a responsabilidade
de dois professores da escola e faz parte dos seus trabalhos
escritos utilizando o processador de texto.
Dina
tem 15 anos e frequenta o 10 º ano de Humanidades de uma
escola secundária no Barreiro. Filha de um engenheiro
e de uma professora, tem computador em casa desde a primária
e mantém com ele uma relação de familiaridade, jogando,
desenhando e escrevendo poemas que é um dos seus hobbies.
No ano passado, a sua professora de Matemática deu-lhe
a conhecer um programa de Geometria Dinâmica com o qual
desenvolveu algumas actividades de resolução de problemas
nas aulas, que contribuíram para melhorar a sua imagem
da disciplina.
Marco
é um jovem que sempre detestou a escola. A custo concluiu
a primária e hoje, com 12 anos, frequenta o 5º ano de
escolaridade numa escola básica de Setúbal. Tem negativas
na maioria das disciplinas e acredita pouco nas suas capacidades.
Graças a um projecto iniciado por um grupo de professores,
inscreveu-se como aluno monitor no Centro de Recursos
da sua escola e hoje presta apoio aos seus colegas, auxiliando-os
quando estes elaboram os seus trabalhos em computador.
Computadores
na escola, para quê?
Para
o Bruno, a escola deu-lhe a oportunidade de acesso a uma
ferramenta essencial no quotidiano da sociedade de informação.
A iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia de
colocar um computador multimédia com ligação à Internet
em cada escola, constituiu um passo na abertura da escola
ao mundo, com a criação de páginas de apresentação e relato
da ‘vida da escola’ e permitindo o desenvolvimento de
projectos de intercâmbio entre comunidades distantes,
em particular as lusófonas.
A
Dina que optou pelas Humanidades para ‘fugir’ à Matemática,
nunca tinha tido oportunidade de ver a geometria interactiva.
Embora já tivesse um contacto desde criança com vários
programas de computador, nunca se tinha apercebido que
este, para além de constituir uma ferramenta para elaboração
de trabalhos, pode representar uma mais valia na visualização
de conceitos abstractos e na percepção de propriedades
de figuras geométricas que apenas com o quadro e o giz
se tornam maçudos e de difícil entendimento.
Marco
é nesta história o representante de uma classe de jovens
que passam ‘obrigados’ pela nossa escola obrigatória.
Desmotivados e com uma fraca auto-estima, aguardam em
cada ano pela benevolência dos professores e do sistema
de avaliação para transitarem ao ano seguinte. No entanto,
a sua co-responsabilização num projecto em que simultaneamente
aprendem mais sobre os computadores e a Internet e por
outro lado desenvolvem uma função com utilidade social
(apoio aos colegas, mesmo aos bem sucedidos no desempenho
escolar) valoriza o seu trabalho e a si próprios, traz-lhes
uma significativa melhoria da sua auto-imagem e atribui
um sentido à sua vida na escola.
Um
novo papel para os professores
Em
todas estas histórias existe um traço comum: o grupo de
professores voluntários que perceberam o potencial desta
ferramenta que é o computador, para incentivar os processos
de descoberta, desenvolver a autonomia e facilitar a comunicação
e o desenvolvimento de projectos colaborativos.
Existem
alguns traços característicos destes profissionais que
fazem uma ‘leitura’ aberta da escola como um espaço pedagógico
onde decorrem aulas e diferentes actividades culturais
que dão corpo àquilo que se considera o currículo escolar.
São normalmente professores com uma boa formação científica
e pedagógica, com alguns conhecimentos de informática,
com um elevado grau de empatia com os alunos, abertos
a ideias novas e com uma disponibilidade para a inovação
em educação. Mais do que em conteúdos, acreditam no desenvolvimento
de competências como ‘saberes em acção’ ou saberes que
se usam na resolução de problemas e situações diversas.
Reconhecem e valorizam nos programas das disciplinas diferentes
objectivos que vão desde os conhecimentos, às capacidades,
atitudes e valores.
Constituem
normalmente um grupo activo que pretende dinamizar a escola,
‘dar vida’ aos diferentes espaços pedagógicos existentes
(Bibliotecas, Mediatecas, Centros de Recursos, Clubes
disciplinares e interdisciplinares, etc.), procurando
integrar nessa dinâmica mais colegas e alunos.
Este
grupo tem crescido de forma moderada, uma vez que o processo
de apropriação das TIC de modo a torná-las um instrumento
valorizador das práticas pedagógicas é, ele mesmo, um
processo lento com diferentes graus de consecução. Maioritariamente
formados ainda numa escola de quadro e giz, os professores
têm desenvolvido nos últimos anos um esforço de actualização
ao nível das tecnologias de informação e comunicação (TIC),
integrando-se em projectos nacionais como o Projecto MINERVA
ou o Programa Nónio – Século XXI e em programas de formação
nesta área que têm vindo a ser desenvolvidos por Centros
de Formação, Universidades e Escolas Superiores de Educação.
Mas
esta formação não pode ser entendida como uma reciclagem
ou mais uma técnica. Mais do que conhecer a tecnologia,
importa equacionar o que fazer com ela, nomeadamente como
a tornar um elemento natural e enriquecedor do quotidiano
escolar. E isso acontece preferencialmente em processos
de formação que decorrem das necessidades das escolas
e agrupamentos, têm em conta a sua dimensão técnica e
pedagógica e permitem uma reflexão sobre as práticas profissionais.
Contar
com os pais
Muitos
pais com a intenção de ‘darem o melhor’ aos seus filhos,
oferecem-lhes CD-ROMs que facilitam a aprendizagem da
tabuada ou que visam a preparação dos alunos para os testes,
integrando ‘baterias’ de perguntas, às quais associam
imagens atractivas e som, pensando assim conseguir a atenção
dos jovens. Tentam com isso inverter a tendência para
que eles não percam todo o seu tempo a jogar em frente
ao computador. Mas estarão os pais em condições de avaliar
os diferentes aspectos pedagógicos que estão presentes
numa peça de software, seja ele um jogo ou um programa
dito educativo ?
Basta
percorrermos os corredores de um grande hipermercado para
observarmos as centenas de produtos (ou capas?) deste
tipo que nos oferecem para todos os gostos e idades. No
entanto, muitas vezes por trás deste software visualmente
atractivo, esconde-se uma grande pobreza de ideias, encarando
as crianças como uma ‘máquina de respostas’ ou como um
receptáculo a estimular com bons grafismos.
Seymour
Papert, professor e investigador americano no MIT, descreve-nos
de forma exemplar no seu livro The Connected Family,
a importância dos pais desenvolverem uma consciência crítica
sobre o software educativo, que o mesmo é dizer
sobre o que deve ser a aprendizagem. O autor chama-nos
a atenção para a importância de desenvolver aquilo que
designa como uma cultura familiar de aprendizagem, tentando
ver o computador como um instrumento de partilha de interesses
comuns e de projectos em conjunto e não como um ‘inimigo’,
factor de isolamento do jovem e de desunião familiar.
O
futuro para as tecnologias na educação
O
Bruno, a Dina e o Marco, por mérito seu, mas também pela
iniciativa dos professores que criaram no quotidiano atribulado
de problemas da escola pública condições para tal, constituem
alguns exemplos de ‘boas-práticas’ que precisam ser divulgadas.
Tenhamos consciência que estamos a falar de episódios
esporádicos que não constituem regra nas escolas. Pelo
ainda reduzido número de computadores existentes, mas
também pela falta de uma formação contínua de professores
integrada nas práticas quotidianas, apoiada e reconhecida.
Não
basta equipar as escolas com computadores, ligá-los em
rede e fornecer acesso à Internet. É decisiva a disponibilização
de recursos humanos com formação técnica na área das TIC
para apoio e manutenção das redes, mas também de equipas
interdisciplinares que constituam um suporte ‘no terreno’
capaz de dar continuidade aos cursos e oficinas de formação,
apoiando os professores nas primeiras ‘experiências’ nos
computadores com os seus alunos, promovendo uma reflexão
permanente sobre as práticas e as utilizações adequadas
das TIC, numa perspectiva de desenvolvimento curricular.
Às
instituições públicas de formação de professores compete
responder a este desafio com uma permanente actualização
curricular dos cursos de formação inicial, tendo em conta
os novos desenvolvimentos das TIC e a ‘construção’ negociada
com as escolas básicas e secundárias de programas de formação
contínua e projectos nesta área.
A
divulgação de exemplos de boas práticas de utilização
das TIC nas escolas, a par da produção de materiais curriculares
de apoio à utilização das TIC em diferentes disciplinas,
devem constituir uma preocupação central destas instituições.
Mas
só teremos mais Brunos, Dinas e Marcos, assim como só
faremos crescer o grupo dos profissionais com funções
de animação e dinamização nesta área, se a investigação
acompanhar o processo de disseminação das TIC nas escolas.
É ela, em última análise que marcará as linhas através
das quais a formação de recursos humanos progredirá. Uma
investigação na acção, centrada em equipas que integrem
os professores dos diferentes níveis de ensino.
Com uma tradução (A Família em Rede) recentemente
editada pela Editora Relógio d’Água
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