por
Luisa Solla
(Departamento
de Línguas da ESE)
Português - a língua da escola
Em
que língua escrever
As declarações de amor?
Em que língua cantar
As histórias que ouvir contar?
Na
kal lingu ke na skirbi
Na diklarasons di amor?
Na ka lingua ke n na kanta
Storias ke n kontado?
Maria
Odete Semedo, Entre
o Ser e o Amar
Temos
finalmente legislação que assume que há nas escolas
portuguesas crianças cuja língua materna pode não ser
o Português. Embora o sistema educativo português (A
Lei de Bases desde 1986 e mais recentemente toda a legislação
sobre Gestão Flexível do Currículo) reconheça a diversidade
cultural patente nas escolas, este
processo deu mais uma passo em frente com o novo decreto-lei
de organização curricular (6/2001) onde a situação da
língua portuguesa em contextos multiculturais do 1º
CEB é claramente assumida. Assim, e tal como se pode
ler no artigo 8º- Língua Portuguesa como língua segunda
- “As
escolas devem proporcionar actividades curriculares
específicas para a aprendizagem da língua portuguesa
como segunda língua aos alunos cuja língua materna não
seja o português”. E como se deve interpretar este
artigo, ou seja, o que deverão fazer os professores
para poderem “proporcionar actividades curriculares
específicas para a aprendizagem da língua portuguesa
como segunda língua”?
Todos
sabemos como nos últimos anos tem aumentado a população
escolar com crianças de diferentes origens culturais.
Muitas destas crianças têm dificuldades de integração
e de aprendizagem, imputadas, na maior parte dos casos,
ao fraco domínio do Português - a língua de ensino e
língua em que são feitas todas as aprendizagens. Em
muitos casos o Português não é a língua materna das
crianças, não é falado correntemente e/ou correctamente
em casa e está sujeito a múltiplas interferências que
os professores têm dificuldade de controlar de forma
adequada. Os seus referentes culturais que trazem de
casa são também outros.
Quanto
ao Português, em termos de documentação mais recente
e da responsabilidade do ME/DEB, o percurso começou
com alguma hesitação. No livro a Língua Materna na Educação
Básica (1997), constata-se que a situação das escolas
mudou e que a população estudantil e docente são social,
cultural, linguística e economicamente heterogéneas,
competindo à escola assumir este facto como um desafio
ao qual não é possível virar as costas. Mas a verdade
é que o título do livro (com reflexos no interior…)
fala ainda de língua materna…
Em
seguida, o documento sobre Competências Essenciais (ME/DEB,
1999) já fala claramente de Português, o que pode querer
dizer que se considera que a língua de ensino não é
necessariamente a língua materna de todas as crianças
que frequentam o ensino básico das escolas portuguesas.
Confrontados
com uma situação de alguma heterogeneidade linguística
na sala de aula, não conhecendo a(s) língua(s) que as
crianças falam em casa, não dispondo de materiais adequados,
os professores questionam-se sobre que metodologias
de ensino utilizar que sejam adequadas aos contextos
multiculturais em que trabalham.
A
resposta ainda não está no artigo 8º do Decreto-lei
6/2001 mas começa a abrir espaço numa direcção: é preciso
fazer diferente. No entanto, é preciso saber como se
podem “proporcionar
actividades curriculares específicas para a aprendizagem
da língua portuguesa como segunda língua”.
A
essa questão cabe também às instituições de formação
de professores responder. Tanto a nível da formação
inicial como da formação contínua será necessário ajudar
os professores a abrir os caminhos. Os currículos de
formação inicial e os cursos de formação contínua (Formação
Complementar, Especializada e ainda Círculos de Estudo
ou Oficinas de Formação) deverão incluir conteúdos que
permitam a aquisição e/ou o desenvolvimento de competências
nessa matéria e espaços de reflexão onde sejam estimuladas
novas práticas, nunca esquecendo que a língua de ensino
assume várias funções, entre as quais: meio de comunicação,
objecto de estudo e língua de todas as aprendizagens.
Esta
medida legislativa é um ponto de chegada (porque se
assume uma realidade…) mas é também o início de um novo
percurso: o ensino bilingue.
Embora
o sentimento geral, legitimado por recomendações da
UNESCO, aconselhe a que as crianças sejam alfabetizadas
na sua língua materna, em Portugal sabemos que isso
não é ainda possível por razões de vária ordem entre
as quais a diversidade linguística que continua a crescer.
Ainda
vêm longe os tempos em que as crianças e jovens de hoje
se perguntarão, tal como o faz Maria Odete Semedo :
“Em que língua escrever…” |