por
Luís Souta
(Departamento
de Ciências, Multiculturalidade e Desenvolvimento da ESE)
Bacharelatos
em vias de extinção
Hoje o mundo está mesmo desgraçado […]
Que há-de fazer um bacharel formado?
(“Versos
Satíricos e Jocosos”, Guerra Junqueiro)
Estabilidade é algo que tem faltado ao nosso sistema
educativo. Uma das raras excepções tem estado nos graus
académicos. Mas até aí se prepara um grande abanão.
Passar dos actuais quatro (bacharel, licenciado, mestre
e doutor) para apenas dois níveis é a proposta de que
se fala.
O
Governo escusa-se na Declaração de Bolonha, assinada
pelos ministros da educação, em Junho de 1999. Tal documento
pretende «uniformizar o sistema de ensino superior»
no espaço comum europeu. Naturalmente, o peso de Portugal
não lhe dá grande capacidade de manobra nestas negociações,
como na generalidade das realizadas nos diferentes fóruns
internacionais. Daí a cedência em toda a linha. É que
o empenhamento na defesa de certas especificidades nacionais
não parece mover os nossos políticos negociadores. Qual
tradição! Qual singularidade! Ficar cada vez mais igual
aos outros é, também no domínio educativo, o objectivo
estratégico.
Assim,
anuncia-se a redução dos cursos de licenciatura para
três anos (igual ao exigido para os actuais bacharelatos)!
Avança-se com a hipótese de os mestrados poderem ser
realizados num único ano (com ou sem tese?, perguntamos
nós). Tudo indicadores de uma formação mais aligeirada,
tendo por base um critério fundamental – o tempo de
duração de um curso.
Passar
os cerca de 1500 cursos (!) com a duração de cinco anos
para apenas três justifica-se, segundo palavras do ministro
da educação, «pela necessidade que Portugal tem de
generalizar o acesso a mestrados e doutoramentos como
uma qualificação natural» (DN,
26/4/01, p. 23). Considerar o encurtamento das licenciaturas
de cinco para três anos como «essencial» é, convenhamos,
no mínimo, excessivo. Augusto Santos Silva acaba por
confessar que tão drástica medida mais não visa do que
melhorar, num ápice, os nossos paupérrimos índices de
formação superior pós graduada. Nada que a reengenharia
administrativa não resolva.
Na
prática, o bacharelato transforma-se em licenciatura.
Nem mais. Claro que o despautério tem limites, e por
isso sossegaram-nos com a informação de que vai haver
excepções: medicina, engenharia e arquitectura. Caramba,
melhor fora, é a nossa saúde e a nossa segurança que
estão em causa.
Os
responsáveis do sector educativo nacional, depois de,
em 1986, terem acabado com o ensino médio, preparam-se
agora para enterrar o «ensino superior de curta duração»,
como era designado, em 1977, o hoje conhecido por ensino
superior politécnico. Este movimento de desvalorização
do bacharelato tem-se acentuado desde a alteração da
Lei de Bases do Sistema Educativo, em Setembro de 1997.
Certos cursos de bacharelato, com mais uns “complementos
de formação”, transformaram-se em licenciaturas (caso
dos cursos de educadores de infância, professores do
1º ciclo do ensino básico, comunicação social, tradutores
intérpretes, só para referir, a título de exemplo, os
que são ministrados na minha instituição).
Com
esta “harmonização” de graus académicos procura-se,
por tabela, esbater a bipolaridade do sistema português
de ensino superior, dividido em universitário e politécnico.
Daí a nossa curiosidade em conhecer a posição do Conselho
Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos sobre
esta matéria. É que este Conselho, ao contrário do que
nos habituou, tem, ultimamente, andado muito aguerrido
contra o ME: primeiro, a propósito da criação do Instituto
Universitário de Viseu (o que originou o “dia de luto”,
em 14 de Março), depois, a propósito do anteprojecto
de lei do estatuto e autonomia deste sub-sistema, acusando
o ME de pretender um "saneamento político-administrativo
dos actuais responsáveis dos institutos politécnicos".
Se o silêncio ou a capitulação imperarem (o que é de
temer, pelo menos por parte daqueles que, numa criatividade
parola, já propuseram a mudança da designação do seu
Instituto Politécnico para “Universidade Politécnica”),
resta-nos lançar o apelo à constituição de uma organização,
tipo Quercus educativa, para defesa de mais uma espécie
ameaçada, e que apesar de tão dignas tradições na nossa
academia, se encontra em vias de extinção – os bacharéis.
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