... a defesa das ideias


Luís Soutapor Luís Souta
(ESE de Setúbal)


A diferença em ter um Ministério

"O novo existe e é tudo o que há de mais antigo."
(Delacroix)

O Ensino Superior anda agitado. O clima não é nada pacífico nas Universidades e nos Institutos Politécnicos públicos. Algumas universidades privadas andam enredadas em processos judiciais que abalam a sua (já frágil) credibilidade. Sucedem-se as greves e as manifestações de estudantes e docentes. Alunos fecham Universidades a cadeado (numa prática, que infelizmente, se tende a generalizar e que nega a génese histórica da ideia de universidade como espaço de liberdade). Resignam reitores e demitem-se conselhos directivos. Os protestos não cessam. Este subsector levou um forte abanão nos seus alicerces e as repercussões, num efeito de cascata, não param de se fazer sentir.

Aparentemente, tudo se resumiria aos cortes no financiamento, no quadro geral de uma política de austeridade que enfrenta enormes dificuldades em cumprir as metas comunitárias, previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento. O esforço para não ultrapassar a mítica barreira dos 3% no défice orçamental generalizou um cenário de crise nacional. O recente relatório da OCDE (Education at Glance 2002) veio mostrar que Portugal, no ensino superior, gasta por aluno menos de metade da média da OCDE, apesar de sermos um dos países que mais investe em educação – 5,6% do PIB, o que nos coloca em 8º lugar, quando a média desta organização internacional está nos 4,6%.

Mas para além dos cortes orçamentais, outros factores toldam a vida académica. Um dos mais preocupantes prende-se com o facto de, em diversos cursos, o número de alunos começar a ser manifestamente inferior às vagas disponibilizadas. Isto num país com apenas 9% de diplomados (contra os 23% da OCDE) e com uma alta taxa de abandono no ensino secundário (45% !). O boom do acesso, que pulverizou a nossa rede de ensino superior com um excessivo número de instituições, entrou em fase de refluxo. Neste ano, houve 16 cursos sem um único candidato (!) e 208 cursos com metade, ou menos, dos lugares preenchidos, já depois da 2ª fase de colocações.

Entretanto o Governo, com propósitos de (des)arrumar a casa, tem vindo a inverter o quadro legal que estrutura o ensino superior. As iniciativas legislativas têm-se multiplicado. A continuar assim, estamos mesmo em crer que a revisão de alguns diplomas que vêm sendo adiados sistematicamente se vão concretizar agora, caso do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico que já tem 21 anos! (apesar de no passado se terem elaborado diversos projectos de alteração e encetado múltiplos processos negociais).

Toda a inusitada azáfama em torno do Ensino Superior tem, na nossa perspectiva, uma razão bem simples. Ela decorre da criação do Ministério da Ciência e do Ensino Superior (MCES), que assim se autonomizou do Ministério da Educação, quebrando a velha tradição da unicidade do sistema educativo. O actual Governo concretizou o que tinha sido uma ideia e uma intenção, pré-eleitoral, para o primeiro governo do Eng. António Guterres. E essa pasta até tinha um rosto – Mariano Gago –, mas que, na divisão do poder, acabou por ficar com um mini-ministério, o da Ciência e Tecnologia (onde acabaria por desenvolver um trabalho meritório, designadamente na ligação informática das escolas e na formação de docentes na área das TIC). O Ministério da Educação sempre foi um super-ministério, difícil de gerir, cheio de problemas a que diariamente era preciso dar resposta. Nesse contexto, o ensino superior, por virtude da autonomia das suas escolas, acabava por ir ficando para trás, pois as prioridades e os “fogos” centravam-se a montante, no básico e secundário. Os professores destes níveis de ensino não davam descanso aos sucessivos ministros que por lá passavam.

Mas agora temos um ministro a tempo inteiro para o sector do Ensino Superior. E com experiência governativa (Pedro Lynce foi secretário de estado do ensino superior em governos do Prof. Cavaco Silva). O quadro de trabalho alterou-se radicalmente. Portanto, não há mais justificação para que as questões não sejam agarradas, os dossiers não sejam tratados e os problemas resolvidos. Bem ou mal. Adiados, nas gavetas, à espera de tempo (político) para os estudar e lhes dar andamento isso deixou de fazer sentido. O ministro tem que justificar o lugar. O MCES tem que fazer obra.

A implementação da Declaração de Bolonha (que aponta para o estabelecimento de graus equivalentes em toda a União Europeia), e de que pouco se tem falado ultimamente, a concretização de uma nova Lei de Bases do Sistema Educativo (já anunciada como estando na forja) e outras Leis do Financiamento e da Autonomia poderão ser as traves-mestras para um outro tipo de Ensino Superior. Tempos de viragem? Sem dúvida. Para melhor? O futuro o dirá…