por
Albertina Palma
(Professora do Departamento de Línguas da ESE)
Eu, cá, acho mal!
Mais
um ano lectivo está a chegar ao fim e a azáfama é a
habitual. Os últimos testes, as reuniões de avaliação,
as provas globais, os exames, as reuniões de preparação
do próximo ano. Alguns professores, muitos, não sabem
em que escola ficarão. Estão pois a preparar o trabalho
de outros, enquanto alguns desses estarão a preparar
o seu, sabe-se lá onde.
Nesta
preparação do próximo ano escolar entra a implementação
da Reorganização Curricular no 3º ciclo. Esta exige
a introdução de metodologias inovadoras no ensino e
na aprendizagem, das quais decorrem uma nova gestão
de conteúdos disciplinares e de tempos lectivos. Penso
que a ideia basilar da Reorganização Curricular não
está a ser entendida por muitas escolas, pois continuam
a chegar-me ecos de profundos desacordos na negociação
de horas das diferentes disciplinas da mesma área, com
o argumento que as suas horas não chegam para dar os
respectivos programas. Isto prova a dificuldade que
alguns professores sentem em perspectivar a sua disciplina
num contexto interdisciplinar, orientado pelo desenvolvimento
de competências essenciais transversais. O resultado
é que, provavelmente, não só não irão contribuir para
o desenvolvimento das referidas competências, como irão
ensinar em piores circunstâncias os conteúdos das suas
disciplinas. Não
admira, sobre isto já falei no ano passado.
Da
agenda do mês de Junho, faz ainda parte a escolha dos
manuais para cada uma das disciplinas dos 4º e 7º anos,
para os próximos três anos. Supostamente, e as editoras
não deixam de o proclamar, os manuais estão de acordo
com as orientações da Reorganização Curricular. Estarão?
A resposta a esta pergunta é de importância crucial.
Como se sabe, na maior parte das escolas o manual substitui
o programa. É mau, pois o manual propõe uma gestão do
programa a partir da interpretação que os seus autores
fazem do mesmo, numa atitude de distância dos contextos
reais em que ele vai ser aplicado. Isto não deixa de
ser contraditório com o quadro de flexibilização curricular,
em que aparentemente nos movemos, já que as decisões
curriculares deviam ser tomadas a partir de um diagnóstico
rigoroso de cada turma. Mais uma vez, estamos quase
sempre perante a gestão de conteúdos, quando a Reorganização
Curricular assenta no desenvolvimento de competências.
Isto
dos manuais tem, no entanto, muito mais que se lhe diga.
Vejamos, as editoras escolares são em grande número,
vá-se lá saber porquê. A concorrência é, portanto, feroz
e apoia-se em quê? Na qualidade, dirão eles, mas qualidade
de quê? Que provas de qualidade científica e pedagógica
dão os autores a não ser a posteriori? Ou seja,
tal como nos cozinhados o verdadeiro teste é o da prova,
nos manuais o verdadeiro teste é o da aplicação e, tal
como o paladar nos cozinhados é individual, a aplicação
do manual também o é. Sabendo da impossibilidade de
provar/aplicar todos os manuais (chegam a ser dezenas!)
produzidos pelas várias editoras, estas apostam em sofisticadas
técnicas de marketing para seduzir os professores. Juntamente
com os manuais e os seus respectivos materiais auxiliares,
é oferecida toda uma parafernália de materiais extra,
que vão desde a pasta, esferográfica e bloco de apontamentos,
aliás utilíssimos (note-se que os professores são dos
poucos trabalhadores que têm de pagar os seus próprios
utensílios de trabalho!), a agendas, calendários, fichas
de alunos, grelhas de trabalho, planificações, acetatos,
etc. Já para não falar nas sessões com os autores em
diversos pontos do país, que dão direito a faltar às
aulas, a almoço e a vários "coffee breaks"
em hotéis agradáveis. Eu não acho mal.
O
que me desgosta é saber que estas operações de marketing
custam rios de dinheiro, dinheiro esse que tem todo
a mesma origem: o preço do manual, pago, é claro, pelas
famílias dos alunos. Sabendo que os lucros das editoras
se devem principalmente aos autores, que apenas recebem
uma percentagem ridícula do preço de capa, dá que pensar
como é que, para aceder a um sistema de ensino, constitucionalmente
gratuito, as famílias portuguesas estão afinal a contribuir
para o enriquecimento de empresas orientadas pelas leis
do mercado. Eu,
cá, acho mal! |