... a defesa das ideias


Às quartas • 29/05/2002
Luisa Sollapor Luisa Solla
(Departamento de Línguas da ESE)
 

"Se à ideia não se der o braço que ela
pedir..." ou um ano depois, cá estou!



Neste jornal e há um ano escrevi: “Temos finalmente legislação que assume que há nas escolas portuguesas crianças cuja língua materna pode não ser o Português”. Referia-me ao Decreto-lei 6/2001 e em especial ao artigo 8º- Língua Portuguesa como língua segunda, que diz: As escolas devem proporcionar actividades curriculares específicas para a aprendizagem da língua portuguesa como segunda língua aos alunos cuja língua materna não seja o português. Questionava ainda sobre como devia este artigo ser interpretado no sentido das actividades que os professores deveriam fazer para concretizar o que nele se prescreve, sabendo que na sua formação inicial isto não é considerado.

Entretanto, e logo em Setembro, foi publicado o Currículo Nacional do Ensino Básico. em cujos Princípios e valores orientadores do currículo se enuncia (i) A construção e a tomada de consciência da identidade pessoal e social e (iii) O respeito e a valorização da diversidade dos indivíduos e dos grupos quanto às suas pertenças e opções. Também nas Competências gerais há sinais de coerência nas opções, nomeadamente na operacionalização transversal da 3ª Usar correctamente a língua portuguesa para comunicar de forma adequada e para estruturar pensamento próprio.

Fiquei entusiasmada. Pareceu-me que íamos no bom caminho. Continuava-se, assim, a construção de condições que, dentro de alguns anos, nos levaria em direcção ao ensino bilingue, como já é prática corrente em outros países.

Passou, portanto, um ano, desde a minha última crónica. Resolvi averiguar o que foi feito, a nível dos diferentes organismos para dar seguimento ao prescrito no Decreto-lei 6/2001 sem qualquer preocupação em esgotar o assunto.

A nível do Ministério da Educação e consultando a página do DEB encontrei informação interessante: a lista de endereços de uma Rede de Apoios onde estão listadas cerca de 50 instituições, organismos, fundações, associações, centros e organizações não governamentais que têm vindo a produzir materiais e informação variada que pode ser disponibilizada às escolas e aos professores.

Ainda na página do DEB, há uma lista de materiais pedagógicos para o ensino da língua como 2ª língua, produzidos no âmbito do projecto Socrates- Comenius 2, nem todos recentes mas todos interessantes e úteis.

Cito ainda dois documentos: um CD ROM editado pelo Alto Comissariado para as Minorias Étnicas e um conjunto de materiais designados “Teste bilingue” editados pelo DEB.

Uma pesquisa nas escolas revelou que o DEB pede o preenchimento de um Questionário de controlo de alunos com língua portuguesa como língua não materna. Este questionário pretende identificar, para cada ano de escolaridade, as LM dos alunos, a sua origem étnico-social, se a escola dá apoio à língua portuguesa como segunda língua, se há Medidores linguístico/culturais e Projectos em desenvolvimento na área da interculturalidade.

Achei a ideia muito interessante e interpretei-a como um passo para a identificação das diversas situações das escolas. Curiosamente veio parar-me às mãos um desses questionários, preenchido por uma escola básica do 1º ciclo, onde à diversidade étnico-social dos alunos ( guineense, angolana, e sãotomense) corresponde sempre a mesma língua materna: crioulo. Como interpretar isto?  Ignorância ou desleixo por parte de quem preenche?

Soube ainda que o DEB prepara um documento com orientações para o ensino do Português como língua segunda.

Em síntese, penso que neste último ano se avançou e congratulo-me com isso.

As últimas medidas do novo Ministério da Educação (as já anunciadas e as previsíveis) não prenunciam que o percurso já iniciado continue a ser feito. É pena. As boas ideias precisam de uma boa concretização. E a concretização das ideias exige construção rigorosa, reflectida, sólida e provavelmente mais lenta do que desejaríamos mas não compatível com obstrução e retrocesso.

O meu gosto em procurar inspiração nos poetas, mais uma vez me compensou. Já o Alexandre O’Neill dizia no seu poema “No Reino do Pacheco” In, Poesias Completas (p.194)

Se à ideia não se der
o braço que ela pedir,
a ideia, por melhor
que ela seja ou queira ser,
não será mais que bolor,
pão abstracto ou mulher
sem amor!

(....)

Nota: Que me perdoe o O’Neill, mas não percebo por quê só a mulher. Será que há diferença entre o homem sem amor e a mulher sem amor?