por
Luisa Solla
(Departamento de Línguas da ESE)
"Se
à ideia não se der o braço que ela
pedir..." ou um ano depois, cá estou!
Neste jornal
e há um ano escrevi: “Temos finalmente legislação
que assume que há nas escolas portuguesas crianças cuja
língua materna pode não ser o Português”. Referia-me
ao Decreto-lei 6/2001 e em especial ao artigo 8º- Língua
Portuguesa como língua segunda, que diz: As escolas
devem proporcionar actividades curriculares específicas
para a aprendizagem da língua portuguesa como segunda
língua aos alunos cuja língua materna não seja o português.
Questionava ainda sobre como devia este artigo ser interpretado
no sentido das actividades que os professores deveriam
fazer para concretizar o que nele se prescreve, sabendo
que na sua formação inicial isto não é considerado.
Entretanto,
e logo em Setembro, foi publicado o Currículo Nacional
do Ensino Básico. em cujos Princípios e valores orientadores
do currículo se enuncia (i) A construção
e a tomada de consciência da identidade pessoal e social
e (iii) O respeito e a valorização da diversidade
dos indivíduos e dos grupos quanto às suas pertenças
e opções. Também nas Competências gerais
há sinais de coerência nas opções, nomeadamente na operacionalização
transversal da 3ª Usar correctamente a língua portuguesa
para comunicar de forma adequada e para estruturar pensamento
próprio.
Fiquei
entusiasmada. Pareceu-me que íamos no bom caminho. Continuava-se,
assim, a construção de condições que, dentro de alguns
anos, nos levaria em direcção ao ensino bilingue,
como já é prática corrente em outros países.
Passou,
portanto, um ano, desde a minha última crónica. Resolvi
averiguar o que foi feito, a nível dos diferentes organismos
para dar seguimento ao prescrito no Decreto-lei 6/2001
sem qualquer preocupação em esgotar o assunto.
A
nível do Ministério da Educação e consultando a página
do DEB encontrei informação interessante: a lista de
endereços de uma Rede de Apoios onde estão listadas
cerca de 50 instituições, organismos, fundações, associações,
centros e organizações não governamentais que têm vindo
a produzir materiais e informação variada que pode ser
disponibilizada às escolas e aos professores.
Ainda
na página do DEB, há uma lista de materiais pedagógicos
para o ensino da língua como 2ª língua, produzidos no
âmbito do projecto Socrates- Comenius 2, nem todos recentes
mas todos interessantes e úteis.
Cito
ainda dois documentos: um CD ROM editado pelo Alto Comissariado
para as Minorias Étnicas e um conjunto de materiais
designados “Teste bilingue” editados pelo DEB.
Uma
pesquisa nas escolas revelou que o DEB pede o preenchimento
de um Questionário de controlo de alunos com língua
portuguesa como língua não materna. Este questionário
pretende identificar, para cada ano de escolaridade,
as LM dos alunos, a sua origem étnico-social, se a escola
dá apoio à língua portuguesa como segunda língua, se
há Medidores linguístico/culturais e Projectos em desenvolvimento
na área da interculturalidade.
Achei
a ideia muito interessante e interpretei-a como um passo
para a identificação das diversas situações das escolas.
Curiosamente veio parar-me às mãos um desses questionários,
preenchido por uma escola básica do 1º ciclo, onde à
diversidade étnico-social dos alunos ( guineense, angolana,
e sãotomense) corresponde sempre a mesma língua materna:
crioulo. Como interpretar isto? Ignorância ou
desleixo por parte de quem preenche?
Soube
ainda que o DEB prepara um documento com orientações
para o ensino do Português como língua segunda.
Em
síntese, penso que neste último ano se avançou e congratulo-me
com isso.
As
últimas medidas do novo Ministério da Educação (as já
anunciadas e as previsíveis) não prenunciam que o percurso
já iniciado continue a ser feito. É pena. As boas ideias
precisam de uma boa concretização. E a concretização
das ideias exige construção rigorosa, reflectida, sólida
e provavelmente mais lenta do que desejaríamos mas não
compatível com obstrução e retrocesso.
O
meu gosto em procurar inspiração nos poetas, mais uma
vez me compensou. Já o Alexandre O’Neill dizia no seu
poema “No Reino do Pacheco” In, Poesias Completas (p.194)
Se à ideia não se der
o
braço que ela pedir,
a ideia, por melhor
que ela seja ou queira ser,
não será mais que bolor,
pão abstracto ou mulher
sem amor!
(....)
Nota:
Que me perdoe o O’Neill, mas não percebo por quê só
a mulher. Será que há diferença entre o homem sem amor
e a mulher sem amor? |