por
Cristina Gomes da Silva
(professora da ESE)
Amantes,
paixões e desilusões
Setúbal, 22 de Abril de 2002. Em França, como resultado
das eleições presidenciais, o Sr. Le Pen acaba de ser
conduzido à confortável posição de candidato que disputa
a segunda volta eleitoral com Jacques Chirac. Digo confortável
por se tratar de quem se trata. Confesso que ao saber
dos resultados, primeiro fiquei estupefacta, logo a
seguir inquieta e depois indignada. Dirão os analistas
mais racionais que talvez seja o modelo democrático
que está em crise, mas não posso deixar de exprimir
todos estes estados de espírito sequenciais e irreprimíveis.
A
estupefacção: pelo inesperado da situação. É certo que
assistimos a fenómeno idêntico na Áustria com o Sr.
Heidder (mas também foi de lá que saiu o Sr. Adolfo)
e em Itália com Berlusconni e, mais longe da Europa
“civilizada” (?), em Israel com Sharon, mas estes são
apenas os rostos visíveis de ideologias inaceitáveis
na actualidade. De França, apesar de tudo têm vindo
notas mais positivas e personalidades menos perturbadoras.
As eleições de domingo passado fazem perigar esse património.
A
inquietação: pelo alargamento da orla de influência
de movimentos com as características da Front National
e pelo reconhecimento, a contragosto, de que têm uma
vantagem sobre a soi-disant esquerda. É que estes
movimentos têm um projecto de sociedade, têm horizontes,
na exacta medida em que se conseguem projectar no futuro
e nas aspirações dos cidadãos.
A
indignação: pela demissão e apatia de quantos se dizem
de esquerda, que continuam a olhar para o umbigo e que
têm como reacção à derrota, a demissão. Demasiado fácil
mas quase inevitável para quem não tem projecto. Entre
nós foi assim com Guterres, em França é assim com Jospin.
Talvez o modelo democrático esteja em crise. Certamente
a dicotomia entre direita e esquerda já não faz sentido,
mas a terceira via Giddensiana também não vingou com
muita força por terras de sua Majestade.
A
reflectir sobre tudo isto e sobre o papel da escola
na formação de cidadãos activos, participativos, com
espírito crítico, capazes de discernirem entre uma proposta
de sociedade xenófoba e segregadora mas securizante
e outras mais abrangentes, tolerantes e conciliadoras
das diferenças – um eleitor de Le Pen dizia na TV5 “Votei
Le Pen porque estou farto de insegurança e de estrangeiros”
- abro o Diário de Notícias e leio a entrevista do Sr.
Ministro da Educação, Dr. David Justino. A dada altura
encontro a seguinte afirmação “Tenho
uma visão muito racional da educação [nada
de paixões, digo eu].
O anterior Governo tratou a educação como uma amante
caprichosa, daquelas a quem se dá dinheiro para estar
calada”(sic) e penso num impulso imediato que,
quem atribui ao vocábulo amante o sentido depreciativo
atribuído pelo Sr. Ministro, é porque ainda (aos 49
anos?) não entendeu o significado de uma paixão e continua
a dicotomizar entre emoção e razão. E isto preocupa-me
porque parece-me que o Sr. Le Pen conseguiu este equilíbrio
e, por isso, ao fim de 30 anos consegue, estes resultados
que provocam desilusões em alguns apaixonados que acham
que ser amante (aquele/aquela que ama) é a melhor maneira
de se entregar a uma causa e que a paixão, para além
de ser um estado de alma, é uma linguagem que não vive
sem a razão. |