... a defesa das ideias


Às quartas • 02/05/2002
Cristina Gomes da Silvapor Cristina Gomes da Silva
(professora da ESE)
 

Amantes, paixões e desilusões


Setúbal, 22 de Abril de 2002. Em França, como resultado das eleições presidenciais, o Sr. Le Pen acaba de ser conduzido à confortável posição de candidato que disputa a segunda volta eleitoral com Jacques Chirac. Digo confortável por se tratar de quem se trata. Confesso que ao saber dos resultados, primeiro fiquei estupefacta, logo a seguir inquieta e depois indignada. Dirão os analistas mais racionais que talvez seja o modelo democrático que está em crise, mas não posso deixar de exprimir todos estes estados de espírito sequenciais e irreprimíveis.

A estupefacção: pelo inesperado da situação. É certo que assistimos a fenómeno idêntico na Áustria com o Sr. Heidder (mas também foi de lá que saiu o Sr. Adolfo) e em Itália com Berlusconni e, mais longe da Europa “civilizada” (?), em Israel com Sharon, mas estes são apenas os rostos visíveis de ideologias inaceitáveis na actualidade. De França, apesar de tudo têm vindo notas mais positivas e personalidades menos perturbadoras. As eleições de domingo passado fazem perigar esse património.

A inquietação: pelo alargamento da orla de influência de movimentos com as características da Front National e pelo reconhecimento, a contragosto, de que têm uma vantagem sobre a soi-disant esquerda. É que estes movimentos têm um projecto de sociedade, têm horizontes, na exacta medida em que se conseguem projectar no futuro e nas aspirações dos cidadãos.

A indignação: pela demissão e apatia de quantos se dizem de esquerda, que continuam a olhar para o umbigo e que têm como reacção à derrota, a demissão. Demasiado fácil mas quase inevitável para quem não tem projecto. Entre nós foi assim com Guterres, em França é assim com Jospin. Talvez o modelo democrático esteja em crise. Certamente a dicotomia entre direita e esquerda já não faz sentido, mas a terceira via Giddensiana também não vingou com muita força por terras de sua Majestade.

A reflectir sobre tudo isto e sobre o papel da escola na formação de cidadãos activos, participativos, com espírito crítico, capazes de discernirem entre uma proposta de sociedade xenófoba e segregadora mas securizante e outras mais abrangentes, tolerantes e conciliadoras das diferenças – um eleitor de Le Pen dizia na TV5 Votei Le Pen porque estou farto de insegurança e de estrangeiros - abro o Diário de Notícias e leio a entrevista do Sr. Ministro da Educação, Dr. David Justino. A dada altura encontro a seguinte afirmação Tenho uma visão muito racional da educação [nada de paixões, digo eu]. O anterior Governo tratou a educação como uma amante caprichosa, daquelas a quem se dá dinheiro para estar calada(sic) e penso num impulso imediato que, quem atribui ao vocábulo amante o sentido depreciativo atribuído pelo Sr. Ministro, é porque ainda (aos 49 anos?) não entendeu o significado de uma paixão e continua a dicotomizar entre emoção e razão. E isto preocupa-me porque parece-me que o Sr. Le Pen conseguiu este equilíbrio e, por isso, ao fim de 30 anos consegue, estes resultados que provocam desilusões em alguns apaixonados que acham que ser amante (aquele/aquela que ama) é a melhor maneira de se entregar a uma causa e que a paixão, para além de ser um estado de alma, é uma linguagem que não vive sem a razão.