... a defesa das ideias


Às quartas 06/02/2002
Maria do Rosário Vazpor Maria do Rosário Vaz
(professora do Departamento de Línguas da ESE)


A Língua Portuguesa está doente(?)

Todos nós conhecemos situações que nos fazem parar para perguntar o que se passa com a tão falada língua de Camões, aquela mesma que herdámos ainda no berço.

Os professores têm queixumes, os alunos têm razões, os pais têm apreensões e todos juntos poderão exclamar “O que fazer?”.

Aos 56 anos de idade e 38 de serviço, diria ao serviço das letras e, porque não afirmá-lo, ao serviço da educação, dou comigo cheia de perplexidades e dúvidas face à(s) atitude(s) a tomar sobre o que vemos e ouvimos.

Ao longo do  percurso profissional que segui, habituei-me a fazer todo o esforço possível no sentido do rigor da escrita. Isso tem-me custado, não raras vezes, o ser apelidada de demasiado exigente , leia-se algumas vezes de “chata”.

Assisti ao nascimento de algumas metodologias de ensino-aprendizagem da escrita, tidas como as mais certas, acompanhei múltiplas alterações e consequentes esperanças depositadas na mudança, eu própria pratiquei, defendi e aconselhei algumas delas. Porém, em boa verdade, nessas múltiplas mutações, houve princípios que não consegui abandonar e um deles tem a ver com a preservação das regras básicas de funcionamento da língua portuguesa.

Bom seria que, a propósito, não se confundissem posturas que, às vezes sem razão, se antagonizam. Estou a pensar no bloqueio que para muitos de nós constituiu o erro ortográfico, já que a este foi dada toda a prioridade sobre a vontade de dizer e dizer sem peias de imaginação e criatividade. 

- “Era uma vez, uma galinha que punha ovos azuis" – dizia uma menina, na sua redacção.

- "O quê, menina, onde é que já se viu isso de ovos azuis?" – interpelou a professora. "Vá já fazer uma redacção como deve ser!" – acrescentou ainda aquela.

- “Era uma vez uma galinha que só não punha ovos azuis porque a minha professora não quis...." – emendou a menina.

Pois bem, criatividade e imaginação é o que não faltava a esta criança, e isso é não só de louvar, como de estimular. Porém, não confundamos imaginação com mau uso da língua.

Foi este último aspecto que me levou a pensar neste texto e a grande motivação esteve, veja-se, na leitura de uma entrevista dada pelo Vasco Pulido Valente ao DNA, revista do Diário de Notícias, sobre o seu livro recentemente publicado “Glória”, cujo texto, sem qualquer responsabilidade do entrevistado, presumo, rezava assim:

...”É oportunista e não é oportunista. A minha opinião foi mudando medida que escrevi o livro...” DNA, 3/11/01

Não seria preocupante, nem valeria a pena deter-me tão seriamente sobre o problema em evidência, se este não fosse o pão nosso de cada dia.

São os jornais, são as revistas, são as legendas televisivas, são os anúncios publicitários aos mais variados níveis, etc, etc, etc, e tudo isto manifestações  públicas da escrita e da oralidade, ao serviço dos mais e dos menos prevenidos.

Há tempos um comentarista do “Big Brother” dizia, na televisão, “As diferenças iriam-se notar...”

Que se goste, ou não, do programa, que se ponha, ou não, em causa a sua qualidade, é com o uso correcto da língua portuguesa que devemos marcar a nossa posição.

Passados poucos dias, ouvindo o noticiário da RDP, não pude deixar de registar uma declaração que dizia “Portugal foi um dos países que, nessa altura, protestaram”.

Estarei eu a exagerar se vos disser que isto é intolerável? Será que a mobilidade, que é real, da língua portuguesa nos permite que dela façamos usos tão abusivos?

Que dizer? Que fazer?

Talvez começar, sem perda de tempo, a reflectir seriamente sobre casos que, como estes, se vão repetindo, possa ser já dar um passo em frente na defesa do que é de facto o nosso primeiro cartão de apresentação enquanto povo que, às vezes, se orgulha de o ser.

Recordando a minha recente leitura do Prof. Marçal Grilo, “Difícil é sentá-los”, repito, com ele, que estudar dá trabalho e exige esforço, mas acrescento que ser professor é também saber ter a exigência e o rigor certos, nos momentos certos.