por
Maria do Rosário Vaz
(professora do Departamento de Línguas da ESE)
A
Língua Portuguesa está doente(?)
Todos nós
conhecemos situações que nos fazem parar para perguntar
o que se passa com a tão falada língua de Camões, aquela
mesma que herdámos ainda no berço.
Os
professores têm queixumes, os alunos têm razões, os
pais têm apreensões e todos juntos poderão exclamar
“O que fazer?”.
Aos
56 anos de idade e 38 de serviço, diria ao serviço das
letras e, porque não afirmá-lo, ao serviço da educação,
dou comigo cheia de perplexidades e dúvidas face à(s)
atitude(s) a tomar sobre o que vemos e ouvimos.
Ao
longo do percurso
profissional que segui, habituei-me a fazer todo o esforço
possível no sentido do rigor da escrita. Isso tem-me
custado, não raras vezes, o ser apelidada de demasiado
exigente , leia-se algumas vezes de “chata”.
Assisti
ao nascimento de algumas metodologias de ensino-aprendizagem
da escrita, tidas como as mais certas, acompanhei múltiplas
alterações e consequentes esperanças depositadas na
mudança, eu própria pratiquei, defendi e aconselhei
algumas delas. Porém, em boa verdade, nessas múltiplas
mutações, houve princípios que não consegui abandonar
e um deles tem a ver com a preservação das regras básicas
de funcionamento da língua portuguesa.
Bom
seria que, a propósito, não se confundissem posturas
que, às vezes sem razão, se antagonizam. Estou a pensar
no bloqueio que para muitos de nós constituiu o erro
ortográfico, já que a este foi dada toda a prioridade
sobre a vontade de dizer e dizer sem peias de imaginação
e criatividade.
-
“Era uma vez, uma galinha que punha ovos azuis"
– dizia uma menina, na sua redacção.
-
"O
quê, menina, onde é que já se viu isso de ovos azuis?"
– interpelou a professora. "Vá já fazer uma
redacção como deve ser!" – acrescentou ainda
aquela.
-
“Era uma vez uma galinha que só não punha
ovos azuis porque a minha professora não quis...."
– emendou a menina.
Pois
bem, criatividade e imaginação é o que não faltava a
esta criança, e isso é não só de louvar, como de estimular.
Porém, não confundamos imaginação com mau uso da língua.
Foi
este último aspecto que me levou a pensar neste texto
e a grande motivação esteve, veja-se, na leitura de
uma entrevista dada pelo Vasco Pulido Valente ao DNA,
revista do Diário de Notícias, sobre o seu livro recentemente
publicado “Glória”, cujo texto, sem qualquer responsabilidade
do entrevistado, presumo, rezava assim:
...Ӄ
oportunista e não é oportunista. A minha opinião foi
mudando há
medida que escrevi o livro...” DNA, 3/11/01
Não
seria preocupante, nem valeria a pena deter-me tão seriamente
sobre o problema em evidência, se este não fosse o pão
nosso de cada dia.
São
os jornais, são as revistas, são as legendas televisivas,
são os anúncios publicitários aos mais variados níveis,
etc, etc, etc, e tudo isto manifestações
públicas da escrita e da oralidade, ao serviço
dos mais e dos menos prevenidos.
Há
tempos um comentarista do “Big Brother” dizia, na televisão,
“As diferenças iriam-se notar...”
Que
se goste, ou não, do programa, que se ponha, ou não,
em causa a sua qualidade, é com o uso correcto da língua
portuguesa que devemos marcar a nossa posição.
Passados
poucos dias, ouvindo o noticiário da RDP, não pude deixar
de registar uma declaração que dizia “Portugal foi
um dos países que, nessa altura, protestaram”.
Estarei
eu a exagerar se vos disser que isto é intolerável?
Será que a mobilidade, que é real, da língua portuguesa
nos permite que dela façamos usos tão abusivos?
Que
dizer? Que fazer?
Talvez
começar, sem perda de tempo, a reflectir seriamente
sobre casos que, como estes, se vão repetindo, possa
ser já dar um passo em frente na defesa do que é de
facto o nosso primeiro cartão de apresentação enquanto
povo que, às vezes, se orgulha de o ser.
Recordando
a minha recente leitura do Prof. Marçal Grilo, “Difícil
é sentá-los”, repito, com ele, que estudar dá trabalho
e exige esforço, mas acrescento que ser professor é
também saber ter a exigência e o rigor certos, nos momentos
certos. |