... a defesa das ideias


Às quartas • 06/03/2002
António Mendes Lopespor António Mendes Lopes
(professor do Departamento de Desporto da ESE)
 

Profissão: Professor

Profissão: professor universitário. Para muitos, menos familiarizados com o ensino superior, esta profissão evoca uma vida livre, fácil, feita de algumas aulas por semana, longas férias estivais e um período de "farniente" todos os 6/7 anos para licença sabática. Mas se esta é, eventualmente, a imagem dominante, a realidade é muito diferente.

Ser professor universitário é, fundamentalmente, ensinar com rigor e responsabilidade, é saber comunicar a matéria e variar os métodos de ensino, é dar lugar a trocas de ideias, é fomentar o trabalho intelectual, é ter uma preparação específica, é fazer e apoiar a investigação, é estar atento à competição e à prestação individual, é ter liberdade de orientação e opinião científica, é estar ao serviço da sociedade.

Mas vejamos mais em pormenor algumas das suas tarefas.

O professor universitário é um actor que tem um papel forte e útil ao nível das tarefas de ensino e formação dos seus estudantes, quer ao nível do desenvolvimento de projectos de investigação, produzindo novos saberes, ou ainda da prestação de serviços à colectividade. Dele se exige rigor e competência no seu domínio científico-técnico e na abordagem dos conhecimentos e das matérias. Deverá ser capaz de comunicar bem a matéria e interrogar-se sobre a melhor maneira de a tornar interessante.

No que diz respeito ao ensino, ele centra sobretudo a sua acção sobre os trabalhos mais recentes, as problemáticas mais evidentes, exigindo-se uma preparação sempre actuante, especialmente no que diz respeito ao seu campo de especialização. Por isso deve estar actualizado e bem relacionado com o meio científico e social. Isto implica uma constante leitura e estudo, assimilando o que há de novo sobre o saber, mas também assistir a colóquios, seminários e congressos, quer neles intervindo quer apreendendo
conhecimentos para o seu processo de formação contínua. A sua actualização é um permanente desafio.

Quanto à produção de investigação, uma das suas principais obrigações, centra os seus esforços sobre os objectos da pesquisa em curso, tornando mais explícita a ligação do saber à sociedade. É nesta componente de intervenção que o seu trabalho passa, por vezes, por períodos de grande dificuldade, questionando-se, sobre a utilidade de continuar, especialmente quando a sua produção não atinge os resultados estimados, ou o seu trabalho é menos bem aceite ou mesmo pouco reconhecido.

Para que não se torne um simples repetidor da matéria a transmitir, todos os anos precisa de refazer o contexto de trabalho. Requacionar o contacto com os alunos, convencê-los do que se lhes vai transmitir é interessante e útil, motivá-los a trabalhar, incentivá-los à discussão, são tarefas que não pode desprezar. Há sempre todo um contexto de trabalho que é necessário recriar. Para melhor inovar, e se consagrar de uma forma criativa ao seu trabalho, necessita de uma liberdade e de uma ausência de controlo ao nível das suas ideias, das suas opções metodológicas ou do espaço temporal para desenvolver as suas diversas actividades.

Ser professor universitário é ainda ter tarefas de administração e de gestão (ao nível do seu departamento e dos órgãos directivos), assumir responsabilidades com a instituição onde trabalha, bem como com os seus colegas e com o meio profissional.

Quanto ao pouco tempo de trabalho que lhe é atribuído, o problema reside numa desvirtuada concepção sobre o ensino superior. Nem sempre é fácil explicar que, por exemplo, dar 3 horas de aulas exige um tempo de preparação bastante longo. Não se entra numa sala de aula como se fôssemos jantar a casa de amigos e metermo-nos a falar de tudo e de nada! Para dar uma aula, o professor tem de fazer a preparação, a pesquisa, a análise, a escrita, o contacto com o seu computador, com os seus livros, etc, e isto não é tido habitualmente em consideração. Poucos sabem que um professor universitário pode chegar a trabalhar à volta de 70 horas por semana, consagrando a maior parte da sua energia e do seu tempo ao serviço da colectividade, contribuindo com projectos para produzir saberes, participando em planos de desenvolvimento para dar origem a inovações.

Ainda no que se refere ao tempo (ou melhor, à falta dele), este é, para si, um enorme problema. Ele tem de conciliar o ensino, a investigação, a gestão de tarefas, as reuniões, os artigos a escrever, os "papers" a apresentar,... Ele deve, por isso, ser muito disciplinado, se quer que as obrigações, nomeadamente as de natureza administrativa, não entrem todos os dias em sua casa ou a resposta aos dossiês se acumulem.

Enfim, ser professor universitário é, ainda:
- assumir o papel técnico e crítico na sua instituição e na sociedade;
- ter liberdade de expressão científica, técnica e pedagógica;
- ser "patrão" de si próprio com a devida compensação intelectual;
- ter um salário relativamente fraco quando comparado com o que se usufrui no sector privado.
- fazer programas de cadeiras e preparar os exames (4 épocas);
- desenvolver planos de estudos e actividade editorial.
Ser professor universitário é sempre uma profissão de luta. Em primeiro lugar, luta de ideias, mas também de disputas. Disputas que impeçam os burocratas institucionais de lhe limitar os seus direitos estatutários, o impeçam de livremente fazer a investigação, de escrever, de animar um seminário, ou não lhe concedam os períodos sabáticos, essenciais para, afastando-se temporariamente, poder "alimentar o espírito", com vista à produção de novas propostas, para ler e reinvestir no trabalho intelectual ou para
fazer avançar de maneira significativa certos projectos e trabalhos de investigação.

Ser professor universitário é uma profissão pouco conhecida, nada fácil, mas muito, muito apaixonante.