... a defesa das ideias


Às quartas 09/01/2002
Ana Pires Sequeirapor Ana Pires Sequeira
(
Professora do Departamento de Línguas da E.S.E.)


De formação em formação até...
o que é difícil é calá-los!...


Numa das 'saborosas' escapadelas às novidades da livraria que habitualmente 'visito', dei com a mais que divulgada e publicitada obra: "Difícil é sentá-los". Lembrei-me serem  palavras de uma professora referindo-se aos seus alunos e, sorrindo, não pude deixar de pensar que o que é difícil não é sentá-los quando se trata de professores, mas sim, que o que é difícil é calá-los... continuando a sorrir com o trocadilho encontrado, deixei-me levar pelo caminho recentemente percorrido enquanto formadora/mediadora num círculo de estudos...

O que é difícil é calá-los...

Tarefa difícil quando a formação não se centra na magistral aula em que o formador actua e os formandos “viram” espectadores, mas sim na pesquisa, na reflexão e na partilha de conhecimentos e de práticas.

Vivenciar um círculo de estudos é poder experienciar tudo isso e, também, o ultrapassar de inibições pessoais que interditem o emergir de interrogações profissionais e a procura comum de percursos alternativos.

A formação em círculo de estudos não transporta o “adicionar” de conteúdos, mas “transporta”, tal como Paulo Freire defendia, as concepções de vida e os valores humanistas dos seus diferentes participantes, espelhados na profissão.

É, assim, um processo de desenvolvimento pessoal e profissional que pressupõe que os participantes desenvolvam competências, a partir da reflexão sobre as suas práticas e saberes adquiridos, bem como, fortaleçam a auto-confiança e a auto-estima de modo a desenvolverem capacidades e atitudes de intervenção democrática, tanto no seu local de trabalho, como em qualquer outro contexto.

Este processo de crescimento comum permite o (re)equacionar de conhecimentos e práticas dos participantes, tornando-os mais intervenientes e, em particular, agentes de mudança nas suas escolas. Podem, assim, tornar-se os actores privilegiados de mudança nas escolas, assumindo-as como espaços com determinada autonomia e conferindo a importância devida aos diferentes contextos e aos diferentes actores neles envolvidos. É, pois, possível virem a ser o embrião da descentralização do sistema educativo e do (re)nascer da autonomia das escolas.

No nosso país, a prática crescente, embora ainda muito embrionária, de formação em círculo de estudos tem vindo a demonstrar que quando os professores começam a “vigiar” mais de perto a sua prática pedagógica e a reflectir sobre ela, começam a compreender e a tentar ultrapassar algumas das lacunas existentes nessa mesma prática.

Um círculo de estudos organizado em torno de uma temática pode ser um dos exemplos a seguir. Pensemos numa temática premente no actual contexto do país, e das nossas escolas... a multiculturalidade social e a educação multi/intercultural.

Abordando esta temática tendo como “pano de fundo” que os professores estão melhor preparados para ajudarem os alunos a valorizar e respeitar a heterogeneidade étnica, se tiverem tido oportunidade, no decurso da sua aprendizagem pessoal e profissional, de vivenciar e reflectir sobre a importância de a conhecer, a compreender e a valorizar, e transpondo esta aprendizagem  para o campo social temos cidadãos melhor preparados para valorizar e respeitar a heterogeneidade étnica. Cidadãos com atitudes e comportamentos democráticos inerentes  ao mundo multicultural em que todos vivemos.

Fácil perceber porque o que é difícil é calá-los... professores/cidadãos reflexivos e intervenientes socialmente e no seu local de trabalho, é difícil calá-los!