por
Luisa Solla
(Departamento de Línguas da ESE)
Duas ou três coisas que me andam
a incomodar...
Título
esquisito para uma crónica sobre educação, não é? Têm
razão. Eu também acho, mas espero mostrar que, embora
estranho, o título corresponde ao que aqui vou escrever.
Espero poder incomodar-vos também...
Para
começar 2 questões que têm provocado muita discussão
nas escolas e nos jornais: a Formação Cívica e a Área
de Projecto no Ensino Básico. Que uso farão destas aprendizagens
os alunos no Ensino Secundário? E no Ensino Superior?
Ou não serão aprendizagens para desenvolver ao longo
da sua formação e ao longo da vida?
Área
de Projecto
No
decreto-lei 6/2001 que regulamenta a reorganização curricular
para o Ensino Básico defende-se “Coerência e sequencialidade
entre os três ciclos do ensino básico e articulação
com o ensino secundário” (artigo 3° a)). Como será feita
esta articulação com o Ensino Secundário? Tive curiosidade
em saber...
Uma
análise superficial do “Documento orientador da revisão
Curricular do Ensino Secundário” mostra que só se ouve
falar de “Projecto” no 12º ano. Será que se trata do
mesmo “Projecto” que integrava o currículo no Ensino
Básico? Será outro? E por que razão é eliminada esta
área durante 2 anos (no 10º e no 11º) para reaparecer
mais tarde, quando os estudantes já lhe perderam o rasto
e esqueceram as metodologias de trabalho ? Não faria
sentido que durante todo o Ensino Secundário a metodologia
de trabalho de projecto fosse articulada e utilizada
na aprendizagem das novas matérias? Sabemos que no Ensino
Superior essa metodologia de trabalho embora seja utilizada
por alguns professores ainda não é prática generalizada
justificando-se, assim, o seu estudo e utilização
ao longo do ensino secundário. Assim não pensaram os
autores da reorganização do Ensino Secundário e é pena
pois todo o investimento feito durante os 9 anos do
Ensino Básico corre o risco de se perder.
Formação
Cívica
A
questão aqui é ainda mais grave pois a falta de coerência
do sistema educativo não se circunscreve ao Ensino Secundário.
Para explicitar melhor o que quero dizer, passo a citar,
mais uma vez, o decreto-lei 6/2001: “Formação Cívica,
espaço privilegiado para o desenvolvimento da educação
para a cidadania, visando o desenvolvimento da consciência
cívica dos alunos como elemento fundamental no processo
de formação de cidadãos responsáveis, críticos, activos
e intervenientes, com recurso, nomeadamente, ao intercâmbio
de experiências vividas pelos alunos e à sua participação,
individual e colectiva, na vida da turma, da escola
e da comunidade.” (artigo 5º c))
O
que se prevê para o Ensino Secundário em termos de formação
cívica? Nada a não ser esta frase: “interiorização de
uma cultura de participação e responsabilidade...” e
que aparece ligada, e cito, a “compromissos enunciados
no Programa do XV Governo Constitucional”.
E
no Ensino Superior? Parece que os estudantes vão ter
menos lugares nos órgãos de gestão. Mas então para que
serviram 9 anos de Formação Cívica? Para que aprenderam
a ser “cidadãos responsáveis, críticos, activos e intervenientes”
se agora não podem intervir nas suas escolas, lugar
onde o exercício da cidadania devia ser estimulado de
forma mais exigente e responsável.
Só
mais alguns incómodos
(i) No
jornal Expresso de 18 de Abril lê-se “Portugueses
são os mais preguiçosos”. Os portugueses, contrariamente
a outras prestações visíveis em estatísticas europeias,
vão na dianteira do pelotão europeu, mas neste caso
dos preguiçosos. Segundo a mesma notícia, “87% dos portugueses
não trocam o conforto do sofá por um passeio à beira-mar.”
Também se refere: “ A falta de exercício tornou-se um
factor de risco para a obesidade, diabetes e problemas
cardíacos.” A este propósito, comenta Tiago Craveira,
assessor do Secretário de Estado da Juventude e Desporto:
“O Governo está consciente que em Portugal há poucos
hábitos de prática desportiva”. E anuncia para breve
medidas para incentivar a prática desportiva. Poderemos
pensar que as instituições de ensino superior que pretendem
formar profissionais para esta área terão as suas propostas
aceites pelo ministro que as tutela? Públicos e legitimidade
social não parecem faltar. E objectivos também não.
A propósito, na ESE de Setúbal há um curso deste âmbito:
Licenciatura em Desporto de Recreação que pode ser uma
boa contribuição para as medidas que serão tomadas.
Terá alunos?
(ii) Parece
que as propinas no Ensino Superior vão aumentar. Escrevi
“parece” porque há quem pense que tudo ficará na mesma
já que o ministro só definiu o máximo da tabela. Mas
supondo que as instituições vão aproveitar para reforçar
os seus orçamentos à custa da inércia ou cansaço dos
estudantes, de que servem os incentivos que o governo
dá às famílias para que procriem mais? Mais tarde os
orçamentos familiares não vão chegar para pagar propinas,
livros, materiais de estudo, transportes e alojamentos,
etc. porque também se sabe que algumas instituições
de ensino irão fechar as suas portas prevendo-se a deslocação
dos estudantes para as cidades onde restem as escolas
que sobrarem...ou então, pior ainda, será maior o recurso
ao Ensino Superior privado. Há quem diga que é isto
que vai acontecer.
(iii) Lembram-se
(se calhar os mais novos não sabem) o que acontecia
antes do 25 de Abril aos estudantes que não estudavam
ou se portavam mal? Eram expulsos das Universidades
e iam imediatamente para a guerra colonial. E agora?
Para começar só pagam uma taxa especial de propinas:
vão pagar mais! Mas prevê-se que possam também ter de
abandonar as escolas. Com as guerras que há por aí e
com as amizades que este governo tem sabe-se lá se não
vão também para uma qualquer guerra. E agora as mulheres
também vão! Não tenho mais espaço para escrever! Consegui
incomodar-vos? Oxalá! |