... a defesa das ideias


Às quartas • 14/05/2003
Luisa Sollapor Luisa Solla
(Departamento de Línguas da ESE)
 


Duas ou três coisas que me andam a incomodar...

Título esquisito para uma crónica sobre educação, não é? Têm razão. Eu também acho, mas espero mostrar que, embora estranho, o título corresponde ao que aqui vou escrever. Espero poder incomodar-vos também...

Para começar 2 questões que têm provocado muita discussão nas escolas e nos jornais: a Formação Cívica e a Área de Projecto no Ensino Básico. Que uso farão destas aprendizagens os alunos no Ensino Secundário? E no Ensino Superior? Ou não serão aprendizagens para desenvolver ao longo da sua formação e ao longo da vida?

Área de Projecto

No decreto-lei 6/2001 que regulamenta a reorganização curricular para o Ensino Básico defende-se “Coerência e sequencialidade entre os três ciclos do ensino básico e articulação com o ensino secundário” (artigo 3° a)). Como será feita esta articulação com o Ensino Secundário? Tive curiosidade em saber...

Uma análise superficial do “Documento orientador da revisão Curricular do Ensino Secundário” mostra que só se ouve falar de “Projecto” no 12º ano. Será que se trata do mesmo “Projecto” que integrava o currículo no Ensino Básico? Será outro? E por que razão é eliminada esta área durante 2 anos (no 10º e no 11º) para reaparecer mais tarde, quando os estudantes já lhe perderam o rasto e esqueceram as metodologias de trabalho ? Não faria sentido que durante todo o Ensino Secundário a metodologia de trabalho de projecto fosse articulada e utilizada na aprendizagem das novas matérias? Sabemos que no Ensino Superior essa metodologia de trabalho embora seja utilizada por alguns professores ainda não é prática generalizada justificando-se, assim, o seu estudo e utilização  ao longo do ensino secundário. Assim não pensaram os autores da reorganização do Ensino Secundário e é pena pois todo o investimento feito durante os 9 anos do Ensino Básico corre o risco de se perder.

Formação Cívica

A questão aqui é ainda mais grave pois a falta de coerência do sistema educativo não se circunscreve ao Ensino Secundário. Para explicitar melhor o que quero dizer, passo a citar, mais uma vez, o decreto-lei 6/2001: “Formação Cívica, espaço privilegiado para o desenvolvimento da educação para a cidadania, visando o desenvolvimento da consciência cívica dos alunos como elemento fundamental no processo de formação de cidadãos responsáveis, críticos, activos e intervenientes, com recurso, nomeadamente, ao intercâmbio de experiências vividas pelos alunos e à sua participação, individual e colectiva, na vida da turma, da escola e da comunidade.” (artigo 5º c))

O que se prevê para o Ensino Secundário em termos de formação cívica? Nada a não ser esta frase: “interiorização de uma cultura de participação e responsabilidade...” e que aparece ligada, e cito, a “compromissos enunciados no Programa do XV Governo Constitucional”.

E no Ensino Superior? Parece que os estudantes vão ter menos lugares nos órgãos de gestão. Mas então para que serviram 9 anos de Formação Cívica? Para que aprenderam a ser “cidadãos responsáveis, críticos, activos e intervenientes” se agora não podem intervir nas suas escolas, lugar onde o exercício da cidadania devia ser estimulado de forma mais exigente e responsável.

Só mais alguns incómodos

(i)         No jornal Expresso de 18 de Abril lê-se “Portugueses são os mais preguiçosos”. Os portugueses, contrariamente a outras prestações visíveis em estatísticas europeias, vão na dianteira do pelotão europeu, mas neste caso dos preguiçosos. Segundo a mesma notícia, “87% dos portugueses não trocam o conforto do sofá por um passeio à beira-mar.” Também se refere: “ A falta de exercício tornou-se um factor de risco para a obesidade, diabetes e problemas cardíacos.” A este propósito, comenta Tiago Craveira, assessor do Secretário de Estado da Juventude e Desporto: “O Governo está consciente que em Portugal há poucos hábitos de prática desportiva”. E anuncia para breve medidas para incentivar a prática desportiva. Poderemos pensar que as instituições de ensino superior que pretendem formar profissionais para esta área terão as suas propostas aceites pelo ministro que as tutela? Públicos e legitimidade social não parecem faltar. E objectivos também não. A propósito, na ESE de Setúbal há um curso deste âmbito: Licenciatura em Desporto de Recreação que pode ser uma boa contribuição para as medidas que serão tomadas. Terá alunos?

(ii)        Parece que as propinas no Ensino Superior vão aumentar. Escrevi “parece” porque há quem pense que tudo ficará na mesma já que o ministro só definiu o máximo da tabela. Mas supondo que as instituições vão aproveitar para reforçar os seus orçamentos à custa da inércia ou cansaço dos estudantes, de que servem os incentivos que o governo dá às famílias para que procriem mais? Mais tarde os orçamentos familiares não vão chegar para pagar propinas, livros, materiais de estudo, transportes e alojamentos, etc. porque também se sabe que algumas instituições de ensino irão fechar as suas portas prevendo-se a deslocação dos estudantes para as cidades onde restem as escolas que sobrarem...ou então, pior ainda, será maior o recurso ao Ensino Superior privado. Há quem diga que é isto que vai acontecer.

(iii)        Lembram-se (se calhar os mais novos não sabem) o que acontecia antes do 25 de Abril aos estudantes que não estudavam ou se portavam mal? Eram expulsos das Universidades e iam imediatamente para a guerra colonial. E agora? Para começar só pagam uma taxa especial de propinas: vão pagar mais! Mas prevê-se que possam também ter de abandonar as escolas. Com as guerras que há por aí e com as amizades que este governo tem sabe-se lá se não vão também para uma qualquer guerra. E agora as mulheres também vão! Não tenho mais espaço para escrever! Consegui incomodar-vos? Oxalá!