Há mais de um ano escrevi neste
mesmo espaço sobre assuntos que continuam a preocupar-me: a prepotência, a
intolerância, o desrespeito pelos outros, os pensamentos (e práticas)
totalitários, os actos injustificáveis cometidos por ignorância ou, pior,
por má formação individual ou colectiva. Escrevi, então, tendo como leit
motiv os resultados eleitorais obtidos por Jean-Marie Le Pen em França.
1. De então para cá vi, muito longe das nossas fronteiras, eclodir uma
guerra sem razão (como quase todas) e morrer não sei quanta gente.
2. Cá dentro vi desenrolar-se um filme negro em torno dos abusos sexuais
cometidos contra crianças e jovens da Casa Pia, mais negro ainda pelo
aproveitamento político que suscitou e pelas vítimas directas e indirectas
que penalizou.
3. Li na imprensa estrangeira que Portugal é um país deprimido, alguns
lusos se indignaram, mas não deixaram, por isso de continuar deprimidos.
4. No dia mundial de luta contra a Sida, uma reportagem dava conta dos
receios dos portugueses relativamente às formas de contágio da doença –
muitos pensam que pode transmitir através de um simples beijo...
5. Em Aveiro voltam a subir ao banco dos réus mulheres que abortaram e os
partidos no governo admitem ponderara a possibilidade de descriminalizar o
aborto mas não de despenalizar, o que significa que continua a ser proibido.
Com que consequências?
6. As notícias dos últimos dias dão-nos conta de uma ligeira retoma da
confiança dos portugueses evidenciada no aumento do consumo no último
trimestre.
7. Leio, no último número da revista Visão uma peça sobre as
nossas crianças, os seus hábitos de consumo e o investimento que os pais
fazem para satisfazer esses hábitos e não consigo deixar de me assustar um
pouco nem de deixar de pensar numa frase retida da leitura de “Os nós e
os laços” de António Alçada Baptista “quando estamos apaixonados não
compramos camisas”. A frase, atribuída a um dos personagens, chega-me com
frequência quando olho para os portugueses, quais formiguinhas em direcção a
hipermercados e centros comerciais numa azáfama incontida que desagua, por
vezes, numa imensa frustração, cujos sinais são mais evidentes neste tempo
de Natal e falsa abundância. Nas ruas, nos dias que se seguem a estes
eventos, vamos encontrar muitas caixas que serviram de recipiente para
acondicionar alguns sonhos, efémeros sem dúvida, muitos papéis de embrulho,
quais despojos de uma guerra colorida. Não conseguimos apaixonar-nos.
Acho que hoje, somos um país desprovido de paixões, e não falo das
paixões amorosas, falo da paixão pelo saber, pelo conhecimento pela
descoberta, aquela que nos faz ser cidadãos de corpo inteiro, informados,
bem preparados, curiosos e empreendedores e é neste ponto que me inquieto
ainda mais porque não sei que fazer com este dever que temos de educar, qual
o papel da educação hoje, que fazer com uma classe política que substitui os
autores clássicos portugueses por textos do Big Brother nos programas de
Língua Portuguesa, com pais que substituem o tempo de estar com os filhos,
de se darem aos filhos, por presentes de preços exorbitantes, que se vão
acumulando nos quartos dos petizes matando qualquer esboço de desejo. Está
tudo ali, não há mais nada para desejar, como tal, também há pouco espaço
para a frustração que, por sua vez, se bem gerida, engendraria novos
desejos.
Já tenho ouvido como justificação, para esta nossa maneira de estar, os
longos anos da ditadura em que as privações eram muitas, o obscurantismo
imenso, a frustração indizível e a tristeza incomensurável. Quanto a mim não
é por termos vivido em ditadura que não sabemos viver em democracia, é
porque viver em democracia, pensar e decidir com autonomia dá muito mais
trabalho do que ter alguém, ainda que autoritário que pense por nós. Afinal
saber desejar faz parte da aprendizagem de vida e nos temos algum défice de
aprendizagem.
Quero, no entanto acreditar que o pessimismo que me envolve, perante
estes cenários, vai dissipar-se. Quero continuar a acreditar que podemos
fazer melhor e que esta é só uma fase, longa é certo, que vai acabar. Quero
acreditar que conseguimos ser e fazer melhor e quero apostar e participar
num projecto educativo que tenha como resultado uma melhor sociedade e
melhores cidadãos.
|