... a defesa das ideias


Às quartas • 19/02/2003

Maria do Rosário Vazpor Maria do Rosário Vaz
(
professora do Departamento de Línguas da ESE)


A Língua Portuguesa não escapa à crise?!

 

Vivemos momentos de crise, os portugueses estão a ser atingidos pela crise, que fazer em tempos de crise... Estas são apenas algumas das muitas frases que, de há alguns tempos a esta parte, nos vêm ensombrando as retinas e/ou fazendo vibrar os tímpanos mais, ou menos, sensíveis. Crise para aqui, crise para ali, não será difícil chegarmos à crise no Ensino, mais especificamente à crise na língua portuguesa. Pois é, difícil seria que ela escapasse ou se fizesse passar despercebida neste vale de lágrimas em que todos vamos colaborando, talvez nem sempre fazendo o melhor para atenuar a torrente!

É um exercício interessante fazermos uma passagem por algumas frases/constatações que, de quando em quando, vêm a público, quase sempre por via da nossa imprensa:

  • O desenvolvimento do país exige uma nova escola do 1º Ciclo do Ensino Básico. - Jornal da Fenprof, Jan., 2002
  • Nenhum Governo atinou ainda na política da língua nacional. - Manuel Ferreira, DN, Fev.1992 .
  • Ciência mata a língua portuguesa. - Público, Agosto de 1999.
  • Digo muitas vezes para mim mesmo que para escrever bem, a primeira condição é saber
  • gramática; a segunda é esquecê-la. - José Cardoso Pires, Expresso, Março, 1998.
  • Bibliotecas Escolares sem professores. - Escola Informação, Dezembro, 2002.mas,
  • José Luís Peixoto, 28 anos, é um dos mais promissores e bem sucedidos jovens escritores da actualidade. - JL, 13/11/2002
  • Cláudia Galhós, 30 anos, é uma das vozes da nova geração de escritores portugueses. - JL,

22/1/2003

Perante um leque tão alargado, quanto heterogéneo, de afirmações, gostaria de reter, como nota positiva as referências a José Luís Peixoto e a Cláudia Galhós.

Não poderemos ver nestes casos um exemplo que contradiz alguns velhos do Restelo quanto à qualidade e capacidade das camadas mais jovens, relativamente à língua portuguesa?

Com 28 e 30 anos respectivamente, serão eles representativos da geração que é alvo de comentários tão negativos como os que inicialmente transcrevo ou serão a excepção que gostaríamos que confirmasse a regra?

Onde residem, afinal, as causas dos maus tratos que conhecemos à língua portuguesa?

Nos professores, dirão uns, nas metodologias de ensino, afirmarão outros, no excesso de motivações exteriores à Escola, nos problemas sociais, na massificação do ensino, na globalização em que todos nos vimos, quase repentinamente mergulhados, vão proclamando tantos e tão diversificados outros e, porque não, nos próprios estudantes que não vêem necessidade de se afirmarem pela sua língua, já que outros meios mais técnicos, mais fáceis e, principalmente de resultados mais imediatos, a substituem!?

Eduardo Lourenço, na obra “Nau de Ícaro - Imagem e Miragem da Lusofonia” afirma que «uma língua não é uma realidade com futuro, nem sequer presente, por direito divino. É um ser espiritual vivo, intrinsecamente mortal, no meio de outras línguas, expressão de históricas vontades de poderio...».

Será isto um sintoma de permissividade ou, antes, a afirmação de um sentimento de abertura a que a língua, identitária de povos que se querem expandir, não pode ficar alheia?

Escudados na afirmação de uma autoridade linguístico-cultural, como a que se reconhece a Eduardo Lourenço, estaremos nós a aceitar a intromissão de todo e qualquer estrangeirismo, neologismo ou modismo gratuito, ou, pelo contrário, estamos a afirmar a nossa convicção de que a maleabilidade da língua portuguesa é uma realidade e uma riqueza?

Voltando à crise, que foi ponto de partida para esta reflexão, José Saramago, no texto com que reabriu o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, adverte: “... a frente principal da luta pela sobrevivência da língua portuguesa está no próprio país de origem: se nele se perder, há muitas probabilidades de que venha a perder-se nos outros lugares do mundo que a falam». E mais à frente insurge-se contra o estado actual da língua portuguesa, culpando a Escola da sua degradação.

Afinal, em que ficamos?

Talvez não seja incorrecto concluir que abertura, maleabilidade para a língua portuguesa, sim, desde que, como se lhe referiu Fernando Pessoa, «nos saibamos servir dela» e, direi eu, sem a perverter na sua essência, quer linguística, quer literária. Porém, para isso, há que exigir conhecimento profundo da matéria prima com que lidamos internamente e que já fez do nosso idioma o 5º mais falado no mundo.

A propósito do projecto do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, Ondina Ferreira disse ao Jornal de Letras n.º 844 de Fev. de 2003 que, em relação aos bonitos e ambiciosos objectivos traçados para a língua portuguesa, «não tem havido recuo, porque também nunca houve avanços».

Muitas interrogações e dúvidas ficam neste texto.

Não será ele um desafio para todos nós, sobretudo quando acabamos de saber que um Prefeito (Presidente de Câmara) do Brasil impôs uma multa a todos quantos cometam erros de português?

Curioso, não é?!