22/1/2003
Perante um leque tão alargado,
quanto heterogéneo, de afirmações,
gostaria de reter, como nota positiva as referências
a José Luís Peixoto e a Cláudia
Galhós.
Não poderemos ver nestes casos
um exemplo que contradiz alguns velhos do Restelo quanto
à qualidade e capacidade das camadas mais jovens,
relativamente à língua portuguesa?
Com 28 e 30 anos respectivamente, serão
eles representativos da geração que é
alvo de comentários tão negativos como
os que inicialmente transcrevo ou serão a excepção
que gostaríamos que confirmasse a regra?
Onde residem, afinal, as causas dos
maus tratos que conhecemos à língua portuguesa?
Nos professores, dirão uns, nas
metodologias de ensino, afirmarão outros, no
excesso de motivações exteriores à
Escola, nos problemas sociais, na massificação
do ensino, na globalização em que todos
nos vimos, quase repentinamente mergulhados, vão
proclamando tantos e tão diversificados outros
e, porque não, nos próprios estudantes
que não vêem necessidade de se afirmarem
pela sua língua, já que outros meios mais
técnicos, mais fáceis e, principalmente
de resultados mais imediatos, a substituem!?
Eduardo Lourenço, na obra “Nau
de Ícaro - Imagem e Miragem da Lusofonia” afirma
que «uma língua não é uma
realidade com futuro, nem sequer presente, por direito
divino. É um ser espiritual vivo, intrinsecamente
mortal, no meio de outras línguas, expressão
de históricas vontades de poderio...».
Será isto um sintoma de permissividade
ou, antes, a afirmação de um sentimento
de abertura a que a língua, identitária
de povos que se querem expandir, não pode ficar
alheia?
Escudados na afirmação
de uma autoridade linguístico-cultural, como
a que se reconhece a Eduardo Lourenço, estaremos
nós a aceitar a intromissão de todo e
qualquer estrangeirismo, neologismo ou modismo gratuito,
ou, pelo contrário, estamos a afirmar a nossa
convicção de que a maleabilidade da língua
portuguesa é uma realidade e uma riqueza?
Voltando à crise, que foi ponto
de partida para esta reflexão, José Saramago,
no texto com que reabriu o Ciberdúvidas da Língua
Portuguesa, adverte: “... a frente principal da luta
pela sobrevivência da língua portuguesa
está no próprio país de origem:
se nele se perder, há muitas probabilidades de
que venha a perder-se nos outros lugares do mundo que
a falam». E mais à frente insurge-se contra
o estado actual da língua portuguesa, culpando
a Escola da sua degradação.
Afinal, em que ficamos?
Talvez não seja incorrecto concluir
que abertura, maleabilidade para a língua portuguesa,
sim, desde que, como se lhe referiu Fernando Pessoa,
«nos saibamos servir dela» e, direi eu,
sem a perverter na sua essência, quer linguística,
quer literária. Porém, para isso, há
que exigir conhecimento profundo da matéria prima
com que lidamos internamente e que já fez do
nosso idioma o 5º mais falado no mundo.
A propósito do projecto do Instituto
Internacional de Língua Portuguesa, Ondina Ferreira
disse ao Jornal de Letras n.º 844 de Fev. de 2003
que, em relação aos bonitos e ambiciosos
objectivos traçados para a língua portuguesa,
«não tem havido recuo, porque também
nunca houve avanços».
Muitas interrogações e
dúvidas ficam neste texto.
Não será ele um desafio
para todos nós, sobretudo quando acabamos de
saber que um Prefeito (Presidente de Câmara) do
Brasil impôs uma multa a todos quantos cometam
erros de português?
Curioso, não é?!