por
António Mendes Lopes
(professor
do Departamento de Desporto da ESE)
Quando
as competências
desacreditam os conhecimentos
A
noção de competência arrasta consigo uma variedade de
definições, frequentemente bastante diferentes umas das
outras. O Ministério da Educação, responsável pela reforma
escolar cuja essência é baseada num modelo de "perspectiva
por competências", caracteriza este por "um
saber agir que se processa pela integração e pela mobilização
de um conjunto de recursos (capacidades, habilidades,
...) utilizados eficientemente, em situações similares".
No
dizer de Boutin, M. (2002), a perspectiva por competências
(PPC) é uma perspectiva decalcada do modelo industrial.
Autor de números textos e obras, Boutin é um dos muitos
universitários a lançar um dos olhares mais críticos sobre
esta perspectiva, sobre as suas bases teóricas e
sobre a maneira de a implementar.
Este
modelo tem para o autor, "uma base de taylorismo,
de behavorismo e de organização do trabalho. Ele visa
desenvolver competências com vista a uma sociedade de
tipo competitivo centrada sobre o rendimento e a performance.
Segundo o autor esta visão de proceder conduz a uma visão
mercantil da educação". Ela representa ainda,
no dizer do autor, "uma macdonalização
dos conhecimentos e da cultura".
O
modelo de formação em apreço não está muito distante do
modelo americano dos anos 70 baseado nos "competency
based programs" que sofreram, devido ao seu fracasso,
fortes críticas, tanto nos Estados Unidos, onde foram
aplicados, como em países como Grã-Bretanha, Austrália,
etc.
No
caso português em concreto parece-nos que a corrente sócioconstrutivista
que serve de fundamento epistemológico à reforma se apoia
segundo o princípio no qual o saber resulta só da experiência
e da realidade. Os conceptores da reforma têm formulado
este princípio na base de algumas teorias; umas centram
o processo pedagógico sobre o aluno, outras sobre a aprendizagem
e os resultados. Esta amalgama, note-se, cria uma imensa
confusão e não menos problemas, uma vez que as noções
veiculadas pertencem a paradigmas diferentes e frequentemente
contraditórios.
No
que diz respeito ao ensino, passa-se de um professor que
é visto como um transmissor de conhecimentos quase sempre
identificado com a escola tradicional e conservadora,
para um outro tipo de “professor”, quer dizer um acompanhante,
que no caso desta “nova escola”, tem as tarefas de sugerir,
aconselhar, apoiar, mas nunca ensinar ou instruir.
Quanto
ao que se propõe para o aluno, deve este ser encorajado
a aprender por ele próprio. Ele é convidado a construir
o seu percurso escolar. Espera-se dele grande curiosidade,
plena iniciativa, uma boa organização das tarefas. Ele
deve ser ainda capaz de conduzir o seu próprio percurso
de aprendizagem e de trabalho. Pensamos que a irmos por
aqui certamente que a reforma é uma questão de sorte para
quem aprende, arriscando-se este modelo a agravar as disparidades
no plano social. Os alunos mais desfavorecidos serão sempre
os perdedores.
Pelo
seu carácter pragmático e a sua valorização relativa
aos saber-fazer, esta concepção simplista e redutora do
processo de aprendizagem, a ser levada à prática, acabará
por aniquilar a necessidade dos conhecimentos fundamentais,
que praticamente deixarão de existir. Opondo-se
ao processo ensino-aprendizagem, a PPC acaba por preconizar
a não transmissão dos conhecimentos, impondo-se como modelo
único, negando a autonomia e a liberdade de ensinar (?)
por parte do professor.
Não
está de maneira nenhuma em causa uma luta contra uma reforma
(que é necessária) para o sistema educativo. Trata-se
sim de discutir a imposição de um modelo de pensamento
único, relativamente ao qual os mais directamente envolvidos
não se posicionam, como se o consenso em matéria de educação
fosse o elemento chave do discurso actual. Enfim tudo
se passa como se com o actual silêncio todos tivessem
aderido ao dogma das competências.
Sabe-se
no entanto que não é assim! |