... a defesa das ideias


Às quartas 22/10/2003
Ana Maria Pessoapor Ana Maria Pessoa
(Professora do Departamento de Comunicação da ESE)


Ideias soltas sobre a Lei de Bases
do Sistema Educativo, da
Educação, ou...?*

Mais um ano lectivo! Há quem o queira ver tempestuoso, quem pense na(s) forma(s) de contornar quaisquer dificuldades ocasionais, quem se empenhe em mil e uma tarefas, quem se proponha reflectir sobre o que isso significa.... O  “Setúbal na Rede” continua a ser também um espaço aberto, dinamizador de discussões várias.

Justifica-se assim que, de modo a envolver cada vez maior número de participantes neste “fórum”, este texto esqueça polémicas mais ou menos casuísticas e proponha algumas pistas de reflexão sobre um dos documentos fundamentais de qualquer sistema democrático: as Leis de Bases. De facto uma lei destas é, em cada sector, depois da Constituição da República Portuguesa, aquela que mais fortemente, mas também de uma forma imediatamente menos perceptível, diz respeito a todos(as) os(as) implicados(as), neste caso, na tarefa educativa.

Numa tentativa muito breve de contextualização histórica do tema convém referir que, a actual Lei de Bases do Sistema Educativo, de 14 Outubro de 1986, posteriormente revista e ainda hoje não conhecida de todos(as) aqueles(as) que por ela se regem,  tem os dias contados. Uma outra Lei, identificada como Lei de Bases da Educação, apresentada pelos partidos da maioria parlamentar, já foi aprovada, na generalidade, na Assembleia da República.

Como foi demonstrado pela condução deste processo, temos “pouco hábito de discutir as leis em público porque se tem a ideia de que nada muda” (Fernandes, 2003). Infelizmente, quer se queira quer não, todas as leis interferem, e muito, no quotidiano!

Se a primeira Lei de Bases do Sistema Educativo – pensada ainda em 1980 (governo de Sá Carneiro), debatida por todos os partidos políticos, pelos Sindicatos, pelos(as) docentes que nessa discussão quiseram intervir – demorou quase seis anos a ser aprovada (com a abstenção do MDP/CDE e o único voto contra do então CDS), a proposta do Governo actual já está a ser discutida, na especificidade, apenas na Comissão de Educação do Parlamento (quando?, em que dias?, que se tem avançado/ou recuado?), sem que disso a maioria dos(as) cidadãos(as) nela interessados(as) se tenha apercebido. Excepção feita talvez aos factores de distracção com que somos bombardeados quotidianamente e que, então, eram menos numerosos e menos fortes, tem de se concordar que a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) de 1986 foi um bom exemplo de uma discussão séria e a possível dum documento deste tipo. Não se infira daqui qualquer intenção de sobrevalorizar a referida lei. Estas palavras visam tão só a colocação de algumas “dúvidas” que, na impossibilidade de serem apresentadas a quem de direito, se partilham aqui, à margem de resultados eleitorais de curta duração, com quem se interessa por um exercício cada vez mais caro: pensar. Para isso, deixam-se algumas perguntas. As respostas podem (não) estar (nem) na LBSE e (nem) na actual proposta de Lei de Bases da Educação:

Que motivos levam a que não se assuma que qualquer proposta educativa é sempre ideológica? Que razão justifica a opção política para esta proposta? Quem conhece e onde se discute a proposta governamental e as outras, apresentadas pelos diversos partidos com assento parlamentar? Quais os estudos que justificam a proposta de mudança? Que necessidade há de o fazer? Será que já temos um sistema educativo democrático, com todas as implicações que tal designação engloba, ou seja, um ensino público, gratuito, de qualidade? Que princípios e pressupostos estão subjacentes aos motivos que se apresentam para a alteração? De que forma se integram as decisões já tomadas em sede de União Europeia? Porque se preconiza o esbatimento do papel do Estado na educação? Porque se parte de uma crítica profunda à escola pública? Que se propõe para resolver a “crise da escola”? Porque se defende que a responsabilização pela formação cabe a cada indivíduo e não ao Estado?

Como foi possível aprovar, por ex., a Lei do Financiamento do Ensino Superior sem a nova Lei de Bases? Coloca-se em igualdade o ensino público e o privado ou este é supletivo daquele? Que implicações tem a resposta afirmativa e assumida à primeira parte desta questão? Será que a escolaridade de 9 anos está cumprida? São as escolas que “expulsam os alunos” (Paulo Freire) ou são os alunos que “abandonam a escola”? Será que o aumento da escolaridade é real ou apenas reforça a selecção precoce no acesso ao saber? Que medidas inovadoras? As escolas devem ser geridas por quem? A gestão representa os(as) professores(as) junto do Ministério ou este junto daqueles(as)? Porque não se referem as escolas profissionais? Porque não se define o que se entende por educação especial e exclusão (Niza, 2003)? O ensino especial é visto como um direito constitucional ou como uma área da caridade privada? Que se defende para a educação ao longo da vida?....

As perguntas são intermináveis....Para responder, (como se de uma receita de culinária se tratasse), sugere-se a leitura dos textos em confronto: a Lei de Bases do Sistema Educativo (inicial e revista), a proposta de Lei de Bases da Educação apresentada pelos partidos do Governo e as diversas propostas apresentadas pelos partidos com assento na Assembleia da República.

 Depois, como em qualquer Casino... “Hélas ! Les jeux sont faits »! 

* Alguns dados deste texto foram recolhidos na “Sessão de apresentação e discussão da Lei de Bases”, realizada pela FENPROF, no Anfiteatro da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação de Lisboa, em 25 Setembro 2003