por
Ana Maria Pessoa
(Professora
do Departamento de Comunicação da ESE)
Ideias
soltas sobre a Lei de Bases
do Sistema Educativo, da
Educação, ou...?*
Mais
um ano lectivo! Há quem o queira ver tempestuoso, quem
pense na(s) forma(s) de contornar quaisquer dificuldades
ocasionais, quem se empenhe em mil e uma tarefas, quem
se proponha reflectir sobre o que isso significa....
O “Setúbal na Rede”
continua a ser também um espaço aberto, dinamizador
de discussões várias.
Justifica-se assim que, de modo a envolver cada vez
maior número de participantes neste “fórum”, este texto
esqueça polémicas mais ou menos casuísticas e proponha
algumas pistas de reflexão sobre um dos documentos fundamentais
de qualquer sistema democrático: as Leis de Bases. De
facto uma lei destas é, em cada sector, depois da Constituição
da República Portuguesa, aquela que mais fortemente,
mas também de uma forma imediatamente menos perceptível,
diz respeito a todos(as) os(as) implicados(as), neste
caso, na tarefa educativa.
Numa
tentativa muito breve de contextualização histórica
do tema convém referir que, a actual Lei de Bases do
Sistema Educativo, de 14 Outubro de 1986, posteriormente
revista e ainda hoje não conhecida de todos(as) aqueles(as)
que por ela se regem, tem os dias contados. Uma
outra Lei, identificada como Lei de Bases da Educação,
apresentada pelos partidos da maioria parlamentar, já
foi aprovada, na generalidade, na Assembleia da República.
Como
foi demonstrado pela condução deste processo, temos
“pouco hábito de discutir as leis em público porque
se tem a ideia de que nada muda” (Fernandes, 2003).
Infelizmente, quer se queira quer não, todas as leis
interferem, e muito, no quotidiano!
Se
a primeira Lei de Bases do Sistema Educativo – pensada
ainda em 1980 (governo de Sá Carneiro), debatida por
todos os partidos políticos, pelos Sindicatos, pelos(as)
docentes que nessa discussão quiseram intervir – demorou
quase seis anos a ser aprovada (com a abstenção do MDP/CDE
e o único voto contra do então CDS), a proposta do Governo
actual já está a ser discutida, na especificidade, apenas
na Comissão de Educação do Parlamento (quando?, em que
dias?, que se tem avançado/ou recuado?), sem que disso
a maioria dos(as) cidadãos(as) nela interessados(as)
se tenha apercebido. Excepção feita talvez aos factores
de distracção com que somos bombardeados quotidianamente
e que, então, eram menos numerosos e menos fortes, tem
de se concordar que a Lei de Bases do Sistema Educativo
(LBSE) de 1986 foi um bom exemplo de uma discussão séria
e a possível dum documento deste tipo. Não se infira
daqui qualquer intenção de sobrevalorizar a referida
lei. Estas palavras visam tão só a colocação de algumas
“dúvidas” que, na impossibilidade de serem apresentadas
a quem de direito, se partilham aqui, à margem de resultados
eleitorais de curta duração, com quem se interessa por
um exercício cada vez mais caro: pensar. Para isso,
deixam-se algumas perguntas. As respostas podem (não)
estar (nem) na LBSE e (nem) na actual proposta de Lei
de Bases da Educação:
Que
motivos levam a que não se assuma que qualquer proposta
educativa é sempre ideológica? Que razão justifica a
opção política para esta proposta? Quem conhece e onde
se discute a proposta governamental e as outras, apresentadas
pelos diversos partidos com assento parlamentar? Quais
os estudos que justificam a proposta de mudança? Que
necessidade há de o fazer? Será que já temos um sistema
educativo democrático, com todas as implicações que
tal designação engloba, ou seja, um ensino público,
gratuito, de qualidade? Que princípios e pressupostos
estão subjacentes aos motivos que se apresentam para
a alteração? De que forma se integram as decisões já
tomadas em sede de União Europeia? Porque se preconiza
o esbatimento do papel do Estado na educação? Porque
se parte de uma crítica profunda à escola pública? Que
se propõe para resolver a “crise da escola”? Porque
se defende que a responsabilização pela formação cabe
a cada indivíduo e não ao Estado?
Como
foi possível aprovar, por ex., a Lei do Financiamento
do Ensino Superior sem a nova Lei de Bases? Coloca-se
em igualdade o ensino público e o privado ou este é
supletivo daquele? Que implicações tem a resposta afirmativa
e assumida à primeira parte desta questão? Será que
a escolaridade de 9 anos está cumprida? São as escolas
que “expulsam os alunos” (Paulo Freire) ou são os alunos
que “abandonam a escola”? Será que o aumento da escolaridade
é real ou apenas reforça a selecção precoce no acesso
ao saber? Que medidas inovadoras? As escolas devem ser
geridas por quem? A gestão representa os(as) professores(as)
junto do Ministério ou este junto daqueles(as)? Porque
não se referem as escolas profissionais? Porque não
se define o que se entende por educação especial e exclusão
(Niza, 2003)? O ensino especial é visto como um direito
constitucional ou como uma área da caridade privada?
Que se defende para a educação ao longo da vida?....
As
perguntas são intermináveis....Para responder, (como
se de uma receita de culinária se tratasse), sugere-se
a leitura dos textos em confronto: a Lei de Bases do
Sistema Educativo (inicial e revista), a proposta de
Lei de Bases da Educação apresentada pelos partidos
do Governo e as diversas propostas apresentadas pelos
partidos com assento na Assembleia da República.
Depois,
como em qualquer Casino... “Hélas !
Les jeux sont faits »!
*
Alguns dados deste texto foram recolhidos na “Sessão
de apresentação e discussão da Lei de Bases”, realizada
pela FENPROF, no Anfiteatro da Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação de Lisboa, em 25 Setembro
2003
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