... a defesa das ideias


Às quartas • 26/11/2003
João Pirespor João Pires
(Professor Assistente
do Departamento de Artes Plásticas da ESE)


Continuamos a não educar os nossos
alunos para a cidadania. Continuamos
a não explicar o que é a liberdade,
o que custou ganhá-la e o que custa mantê-la

É engraçado, já no ano anterior, a minha intervenção neste espaço foi sobre a greve e os movimentos de luta estudantil. Os recentes acontecimentos ocorridos no campus do Politécnico fizeram-me recordar esse artigo e encontrar inspiração (ou falta dela) para este.

Há alguns anos atrás estava eu do outro lado da barricada, no lado dos estudantes, contra uma propina que considerava injusta e inglória. Eu, presidente da Associação de Estudantes da Escola Superior de Educação de Setúbal (ESE), sempre lutei contra as propinas. Eu, estudante da ESE, numa época em que a escola não sofria restrições orçamentais tão graves, fui contra o pagamento desta injusta taxa. Mas eu, tal como muitos outros, sempre pautei a minha conduta por um princípio: o respeito. Respeito pelos outros e respeito pela sua liberdade.

Lamento que este princípio tenha agora sido atropelado por duas vezes em tão curto espaço de tempo.

Primeira, numa invasão estudantil do anfiteatro da ESE, numa altura em que se encontrava a intervir o Arq. Siza Vieira, orquestrada por alunos da Escola Superior de Ciências Empresarias, que irrompem e agridem verbalmente todos os presentes. Pergunto: que mal terá feito Siza Vieira para que o insultassem de modo tão grave?

Segunda, aquando do encerramento a cadeado das escolas do Politécnico, impedem-me de me deslocar ao meu local de trabalho, agredindo a minha liberdade pessoal.

Portanto, fui agredido duas vezes. Eu, que me bato pelo fim das propinas.

Continuamos a não educar os nossos alunos para a cidadania. Continuamos a não explicar o que é a liberdade, o que custou ganhá-la e o que custa mantê-la. Toda a classe estudantil actual não sabe o que é liberdade, porque nunca viveu sem ela, porque nunca ninguém lhe explicou o que é. E a liberdade é uma faca de dois gumes, que tanto funciona para quem luta a favor, como quem luta contra. Quando os dois lados colidem, terá algum discernimento para moderar este embate? Salvo alguns elementos do movimento associativo estudantil, poucos terão consciência política.

E a política também se ensina.

A comunicação social tirou bastante proveito de toda esta agitação social, evidenciando alunos com posses económicas, sem problemas financeiros. Mas não nos podemos esquecer dos outros. E não podemos, nem devemos, esquecer que toda esta questão surge como fruto de um país em crise. Um país com aumentos congelados, com escolas a funcionar a tostões, com profissionais no desemprego. Este país já não está de tanga. A tanga foi vendida e agora tapamos o pudor com as mãos, na esperança de que ninguém venha pedir mais esforços pela nação.

Com tantos problemas, há uma questão que ninguém coloca: quem vai pagar a factura destes tempos?

Com tantos cortes orçamentais, propinas que não cobrem despesas e descontentamento da comunidade escolar, como fica o “estado da educação”?

Não investir na educação é penhorar o futuro do país. Ou alguém acredita que sem profissionais qualificados podemos acompanhar o progresso na Europa? Passaremos a contar com os profissionais formados no estrangeiro, como já fazemos na medicina?

Toda esta situação coloca-me sérias apreensões sobre o futuro que terá o meu filho, recém-nascido.