por
Albertina
Palma
(Departamento
de Línguas/ESE de Setúbal)
A
fúria legislativa e os problemas da vida
Estamos mais uma vez em vésperas de férias, mas, como
já vem sendo hábito por esta altura do ano, matéria para
pensar no campo da educação é o que não falta. Desta vez
a coisa é séria mesmo. Já para não falar no ensino superior,
onde todas as áreas, sem excepção, estão a ser objecto
de revisão legislativa, são os próprios fundamentos do
edifício legislativo da educação que estão em vias de
ser alterados, com a proposta de uma nova Lei de Bases
em discussão na Assembleia da República.
Note-se
que a actual Lei de Bases do Sistema Educativo é de 1986,
ou seja, vamos alterar a lei fundamental da educação passados
apenas 17 anos, antes que a mesma tenha sido totalmente
implementada. Isto, aliás, faz parte da cultura portuguesa,
até porque, e este é outro aspecto singular da nossa cultura,
é preciso regulamentar posteriormente a maior parte das
determinações consignadas na lei, para que esta possa
ser aplicada. Daí que, na sequência de leis e decretos-lei
surjam conjuntos de legislação complementar que é preciso
conhecer, gerir e aplicar com competência. A título de
exemplo, e para se perceber melhor a dimensão do assunto,
a seguir à aprovação da Lei de 1986, o Ministério da Educação
publicou, em 1991, uma brochura em que se dava conta dos
diplomas legais mais importantes relativos à Reforma
Educativa e que os professores deviam conhecer – nada
menos do que 130! Por seu turno, a Associação de Municípios
do Distrito de Setúbal, na sua agenda anual de 1997, listava
o conjunto da legislação de interesse para os professores:
180 documentos!
Voltando
à proposta de revisão da Lei de Bases, há a realçar pelo
menos duas questões importantes, que têm a ver com alterações,
agora propostas pelo governo, a medidas anteriores que
não foram cabalmente aplicadas. Algumas não foram pura
e simplesmente aplicadas. É o caso da formação de professores
do 3º ciclo do ensino básico. Pela Lei nº 115/97 (que
introduziu alterações à Lei de 1986), estes professores
poderiam ser formados nas Escolas Superiores de Educação,
à semelhança dos professores dos 1º e 2º ciclos e educadores
de infância. Porém, este ponto nunca foi regulamentado
e, consequentemente, nunca foi possível às ESE ver as
suas propostas de planos de estudo para estes cursos aprovados
pela tutela, pelo que esta medida nunca chegou a concretizar-se.
Não obstante, o articulado da actual proposta do governo,
estabelece que os professores do 3º ciclo são formados
exclusivamente em universidades.
Outra
questão, mais complexa, tem a ver com a duração da escolaridade
obrigatória. O governo propõe uma escolaridade obrigatória
de 12 anos. Nada contra. Em teoria, nada melhor para uma
pessoa do que passar 12 anos na escola. Mas, vá-se lá
dizer isto a grande parte dos nossos jovens e até a grande
parte dos pais. A escola é em certos aspectos tão pouco
atractiva, fica tão cara às famílias e é em alguns casos
tão limitadora do desenvolvimento de projectos pessoais,
que muitos jovens acabam por enveredar por percursos alternativos.
Em 2001, sendo a escolaridade obrigatória de 9 anos, a
percentagem de jovens entre os 18 e os 24 anos que não
tinham o 9º ano, nem estavam a frequentar a escola, era,
em média, 24%, sendo nalguns concelhos mais de 50%!
Portanto,
não basta decretar estas coisas e torná-las obrigatórias
em Diário da República. É preciso criar condições reais
para as pôr em prática. O cumprimento da escolaridade
obrigatória exige a promoção de uma política eficaz de
acesso e sucesso igual para todos, criando apoios educativos
e sociais adequados, combatendo energicamente o abandono
escolar, prevenindo comportamentos de risco e fiscalizando
o trabalho infantil. Acima de tudo, exige a capacidade
de convencer professores, alunos e pais que a escola pode
ser um local agradável, onde vale a pena estar, conviver,
aprender, crescer, mais do que em qualquer outro sítio.
Tenho dúvidas de que isto venha a acontecer num futuro
próximo. O mais certo é a escolaridade obrigatória continuar
sem ser plenamente cumprida. A percentagem é que provavelmente
vai aumentar e, em vez da actual média nacional de 24%,
poderemos ter que nos confrontar com 30, 40 ou mais. É
lamentável em qualquer dos casos.
Outras
leis fundamentais já foram alteradas nesta legislatura,
como é o caso da Lei de Bases da Segurança Social, o Código
do Trabalho e, como já referido, outras estão em marcha,
como, por exemplo, toda a legislação respeitante ao ensino
superior. O que não se vê são resultados palpáveis desta
fúria legislativa, ou seja, não se identificam melhorias
significativas da situação social, económica e cultural
dos portugueses, bem pelo contrário. É caso para perguntar:
se o governo pusesse tanta energia em resolver os problemas
da nossa vida como põe em regulamentá-la, será que não
poderíamos ter esperança num futuro melhor? |