por
Ana Pires Sequeira
(Docente
do Departamento de Línguas
da ESE de Setúbal)
Manuais Escolares... por onde
paira a multiculturalidade?
O tema escolhido poderia
colocar-nos várias questões. Logo à partida poderia ser o porquê de falar
deles? A comunicação social tem-se encarregado de os pôr na ordem do dia e,
em particular, no início deste ano lectivo? Será só porque são um peso na
bolsa dos encarregados de educação?
Mais e mais questões
poderiam ser levantadas...
São materiais pedagógicos
geradores de mudança? Fomentadores de interdisciplinaridade? São
indispensáveis ao professor, como livro único, numa sala de aula? Abordam
temáticas pertinentes às crianças e aos jovens? São supervisionados
por especialistas consoante a área científica? Incorporam os estudos mais
recentes de como conceber e elaborar manuais escolares?
Estou certa de que cada
leitor poderá reflectir sobre cada uma destas questões. Questionar-se em
relação a outras...
Há já alguns anos escrevia, com alguma preocupação, que:
Aos professores cabe escolher os manuais a adoptar; às crianças cabe
“carregar” com eles. Agora, volvidos quase quinze anos, o “peso”
continua e, talvez, até tenha aumentado... Engraçado, pensamos que evoluímos
e, regredimos... e, aí está um estudo publicado na revista Teste Saúde nº 45
(Outubro/Novembro de 2003) Mochilas - Peso a mais,
alertando-nos, nomeadamente, para que ...as
consequências para a saúde são inevitáveis, sobretudo ao nível da coluna
vertebral e da estrutura óssea.
Contudo, há mudanças ou se quisermos inovações! Quem, ainda,
não viu os “catraios” puxando umas malinhas a caminho da escola?
Sim, os manuais e todo o material utilizado nas nossas
escolas sensibilizaram os comerciantes do ramo... lança-se no mercado uma
versão “pedagógica” das malas de viagem!... Interessante, apercebermo-nos
como o “negócio” da Educação e dos manuais em particular, tem ramificações
em tantos outros campos... e, mais interessante se torna constatar, mesmo ao
“adicionarmos” o conhecimento de como a Educação tem sido tão menosprezada
pelos sucessivos governos deste país que, isto gera “alimento” a alguns...
“desfalca” a bolsa de outros... e, causa “danos” em muitos mais...
As questões colocadas poderiam induzir a problemática se
sim ou não aos manuais escolares. Não é o objectivo deste breve
artigo, pretende-se só levantar algumas hipóteses de reflexão sobre esta
temática tão abrangente e presente no quotidiano de tantos! Temática para a
qual, enquanto educadores, devemos estar sensibilizados, adquirir e
desenvolver competências de modo a olharmos criticamente para os diferentes
produtos (leia-se manuais) que proliferam no mercado!
Este “olhar” crítico pode, ainda, assumir outra perspectiva e
com ela adquirir uma nova abordagem, a do título acima enunciado:
manuais escolares... por onde paira a multiculturalidade?
Este título surge a propósito de um trabalho
realizado em parceria com outro colega e com um grupo de alunos da Escola
Superior de Educação de Setúbal.
O desafio era
tentar uma breve abordagem aos manuais do 1º Ciclo do Ensino Básico, em
particular os de Língua Portuguesa e do Estudo do Meio, numa perspectiva
multicultural. Os alunos pareciam interessados, a demonstrá-lo havia uma
variadíssima panóplia de manuais espalhados pelas diferentes mesas de
trabalho... A “análise” incidia sobre os textos e as imagens, tendo em conta
algumas variáveis étnico-culturais, nacionalidade, classe social, género,
religião, língua, deficiência...
Os grupos de
trabalho iniciaram, analisaram e apresentaram os resultados possíveis ao
tempo disponível e aos saberes já adquiridos!
Foi muito
estimulante observar como o confronto com “essa realidade” denominada
manuais escolares, os deixou perplexos perante o “encontrado”!
Não vou sujeitar
o leitor ao enunciar de todos os pormenores. Contudo, há que realçar que,
mais uma vez, os manuais “analisados” e em vigor no ano lectivo presente
descuram, de um modo geral, uma abordagem multicultural. Qualquer imagem com
cariz religioso reporta-se à religião católica, a língua portuguesa é
assumida como língua materna de todo o público escolar, a deficiência não
existe, ou melhor pode aqui ou ali surgir uma criança de cadeira de rodas,
os rapazes continuam a jogar à bola e as raparigas não só usam “lacinhos”
como brincam com bonecas e ajudam a mãe em casa, é raro algumas das tarefas
domésticas não serem atribuídas às mulheres, as profissões além de não serem
representativas da população portuguesa induzem a estereótipos de género. A
nacionalidade pouco é abordada, surgindo, por vezes, a letra do hino
nacional e a imagem da bandeira desenhada sem o recurso a uma imagem real. A
diversidade cultural e étnica, cada vez mais patente na sociedade portuguesa
e nas escolas em particular, leva a perguntar de novo: onde paira a
multiculturalidade? |