Nas sociedades contemporâneas
as diferentes formas de arte desempenham papéis relevantes nos quotidianos
das comunidades, na criação e recriação de identidades (individuais
e colectivas), no desenvolvimento comunitário, nas situações de
lazer e de entretenimento, nas componentes económico-financeiras.
Ao falar dos mundos das artes quero
designar por um lado, universos complexos onde interagem várias redes
(criadores, intérpretes, técnicos, públicos, produtores, etc.) e por outro,
universos variam consoante os contextos históricos, sociais, culturais e
geográficos.
Universos diferenciados em que o de
Jorge Peixinho é diferente do Emanuel Nunes, o da Paula Rego é diferente do
Júlio Pomar, o do Paulo Rocha é diferente do José Fonseca e Costa, o da
Agustina Bessa Luís é diferente do António Lobo Antunes, e assim
sucessivamente. Apesar dos cruzamentos e dos pontos de contacto entre os
diferentes universos (como bem demonstrou o violoncelista Yo Yo Ma entre as
suites de J. S. Bach e as obras do arquitecto italiano do século XVIII
Piranezi). A capacidade em compreender e se mover nestas complexidades, em
diferentes comunidades imaginadas e de sentidos, é uma das dimensões
importantes dos mundos das artes e da educação e aprendizagem artística.
Estes diferentes universos estão
presentes no distrito de Setúbal através da proliferação de uma grande
variedade de instituições e de pessoas que, de um modo mais formal ou
informal, se relacionam com a criação, a fruição e a realização artística.
Do teatro à dança, do cinema à banda desenhada, da música à literatura, da
pintura ao artesanato. Propostas que cruzam diferentes níveis de cultura
(erudito, popular, de massas), procedimentos (festivais, concertos,
exposições, etc.), espaços, lugares, histórias e memórias. Isto para já não
falar na riqueza e diversidade do património arquitectónico e natural.
Neste contexto, um dos desafios que se
coloca ao ensino superior público merece especial destaque a necessidade de
encontrar e formular propostas formativas (em parceria com diferentes tipos
de instituições e actores sociais) que dêem corpo a visões de futuro que
sirvam de mediação entre as expectativas existentes e a necessidade de
encontrar novas necessidades, novas respostas às interpolações complexas com
que a sociedade portuguesa se confronta.
Assim, pensar as artes na Escola
Superior de Educação, significa imaginar e operacionalizar propostas
formativas que reconciliem por um lado, as artes e a educação com a
sociedade e a chame para uma maior participação neste tipo de actividades e
por outro, evitar a reprodução dos modelos existentes noutras instituições
de ensino superior. Daí a importância em articular os saberes locais,
nacionais e internacionais, a diversidade de procedimentos e a sua
convergência e complementaridade com outras áreas de saber. Da ciência à
tecnologia, da gestão à ecologia e à qualidade de vida.
Este imaginar e operacionalizar
propostas formativas passa, na minha opinião, por quatro domínios
fundamentais: a formação, a criação e a experimentação, a intervenção
comunitária a investigação e produção de conhecimento.
No primeiro caso, através de
modalidades de formação diferenciada (inicial, contínua, ao longo da vida) e
de duração variável, não esquecendo o reconhecimento e validação das
competências adquiridas. No segundo, através de práticas formativas
centradas na criação e experimentação artística, pensando em percursos de
aprendizagem inovadores relacionados com os modos de organizar os tempos e
os espaços de trabalho, quebrando as lógicas disciplinares dominantes. No
terceiro, os mundos das artes e da educação adquirem outros sentidos quando
se potencia a ligação entre a formação e a intervenção comunitária através
do desenvolvimento e implementação de projectos diferenciados. Por último, a
investigação e produção de conhecimento, não só como estratégia de
aprendizagem mas também como estratégia potenciadora de um maior
conhecimento, pensamento crítico e divulgação acerca das artes no distrito.
Estes domínios, cruzando as artes do
palco com as artes visuais, as artes de rua com manifestações mais
“rebeldes”, têm de assumir uma outra componente fundamental: articular os
particularismos com as correntes internacionais (levando a uma maior
internacionalização das práticas e dos procedimentos), articular as práticas
amadoras com as práticas mais eruditas.
É tendo em conta estas diferentes
complexidades e a capacidade de as por em conexão através de redes
diferenciadas, que se poderá contribuir para o alargamento dos horizontes e
dos contextos de referência, para a familiarização com uma gama variada de
linguagens, reportórios e estéticas artísticas, para a socialização em
diferentes formas de comunicação que não as mais banalizadas.
O alargamento dos contextos de
referência constitui, na minha perspectiva, um esforço relativamente difícil
mas fundamental para repensar a nossa acção individual e colectiva. Como
acto político na construção de uma razão cosmopolita onde as subjectividades
e as polifonias dos olhares ecoem como espaços de liberdade na formação das
pessoas, para que elas cresçam como cidadãs e cidadãos dos seus respectivos
países e de um mundo em que interagem diferentes comunidades de sentidos, de
pertença e de convivencialidade.
O ensino superior público não pode (e
não deve) alhear-se destes desígnios. Pelo compromisso político, social,
educativo e interventivo que assumiu. Pelas responsabilidades em transformar
os constrangimentos e os riscos em desafios com futuro, promovendo outros
modos de ver, de fazer e de ser, criando outros possíveis e imaginários.