por
Fernando Vasconcelos
Almeida
(Professor do Departamento de Ciências, Multiculturalidade e
Desenvolvimento)
A propósito de
Educação e Desenvolvimento – notas de leitura de um romance
Algumas notícias publicitadas recentemente fizeram-me recordar uma das
minhas leituras de férias: o livro Equador de Miguel Sousa Tavares.
A
história narrada neste romance decorre nas Ilhas de S. Tomé e Príncipe, nos
primeiros anos do séc. XX, enquadrando-se o enredo e as suas personagens no
contexto histórico das condições de trabalho nas roças de cacau desta antiga
colónia portuguesa.
Mantendo
os modelos de exploração agrícola que vinham do passado, continuava-se a
utilizar trabalhadores de origem angolana, trazidos à força das suas terras,
com contratos de trabalho que dificilmente escondiam a sua condição de
escravos. Contra esta situação, opunham-se sectores da sociedade portuguesa
mais relacionados com as actividades comerciais e mais expostos às pressões
internacionais que se opunham ao fim de todas as formas de escravatura.
O que
estava em causa neste contexto histórico, era a possibilidade de levar os
roceiros de S. Tomé e Príncipe a adoptar formas inovadoras de exploração
agrícola, mais eficazes do ponto de vista económico e mais de acordo com os
novos valores dominantes na Europa. Mas, estas possibilidades enfrentavam a
inércia de um modo de exploração colonial baseado na fácil e barata obtenção
forçada de mão-de-obra, facilmente substituída, que alimentava com enormes
lucros o modo de vida luxuoso de proprietários agrícolas absentistas.
Parece
que hoje, como ontem, continuamos a enfrentar idênticos desafios
relativamente aos nossos modelos de desenvolvimento. De facto, e como é
referido num relatório da OCDE sobre Portugal, recentemente divulgado,
continuamos a apostar em sectores económicos baseados em mão-de-obra
barata, pouco qualificada, e num reduzido investimento na inovação.
Quaisquer acréscimos de rendimento criados na economia portuguesa,
traduzem-se mais facilmente num aumento do consumo imediato do que em
investimentos que se traduzam em inovação tecnológica e em acréscimos
sustentáveis da produtividade.
Noutro
estudo divulgado pelos meios de comunicação social, as reduzidas taxas de
absentismo laboral verificadas no nosso país, comparativamente com outros
países europeus mais desenvolvidos, permitem relativizar o contributo
directo deste factor para a explicação dos nossos reduzidos níveis de
produtividade.
Estes
factos parecem então radicar numa teia complexa de factores sociais e
culturais com uma génese historicamente marcada e que pode explicar as
atitudes dos diferentes actores sociais (trabalhadores, patrões, estado,
sindicatos, etc.) relativamente à inovação tecnológica e ao desenvolvimento,
e que permanecem como características duráveis na nossa sociedade.
Tudo isto
reforça a opinião que se vai generalizando, que a mudança destas atitudes
depende em larga medida de um investimento significativo na educação e na
formação, permitindo a emergência de uma nova relação com a ciência e com a
cultura no nosso tecido social, e constituindo-se como eixo estratégico de
desenvolvimento do nosso país.
O que é preocupante é verificarmos o menor
investimento do nosso país na educação, tendo como referência os restantes
países da OCDE (relatório Education at Glance - 2004 apresentado pela
OCDE), que se associa a percentagens ainda significativas de abandono e de
insucesso escolar. Os disfuncionamentos do sistema educativo revelam-se
igualmente nos fracos resultados dos nossos estudantes nos estudos
internacionais de literacia em leitura, Matemática e Ciências.
Urge instituir a educação e a formação como
áreas prioritárias de desenvolvimento, encontrando-se um movimento de
opinião que imponha a necessidade de se instituir uma política educativa
gerada a partir de um amplo consenso na sociedade portuguesa,
ultrapassando-se uma situação em que as oportunidades político-partidárias
conjunturais determinam constantes mudanças que se iniciam antes das
anteriores terem sido completamente experimentadas e avaliadas.
No início do Séc. XX, a anacrónica manutenção
do trabalho escravo implicou o boicote internacional ao cacau da colónia de
S. Tomé e Príncipe o que teve graves consequências para o seu
desenvolvimento. |