... a defesa das ideias


Às quartas • 22/09/2004
Fernando Vasconcelos Almeidapor Fernando Vasconcelos Almeida
(Professor do Departamento de Ciências, Multiculturalidade e Desenvolvimento)


A propósito de Educação e Desenvolvimento – notas de leitura de um romance

Algumas notícias publicitadas recentemente fizeram-me recordar uma das minhas leituras de férias: o livro Equador de Miguel Sousa Tavares.

A história narrada neste romance decorre nas Ilhas de S. Tomé e Príncipe, nos primeiros anos do séc. XX, enquadrando-se o enredo e as suas personagens no contexto histórico das condições de trabalho nas roças de cacau desta antiga colónia portuguesa.

Mantendo os modelos de exploração agrícola que vinham do passado, continuava-se a utilizar trabalhadores de origem angolana, trazidos à força das suas terras, com contratos de trabalho que dificilmente escondiam a sua condição de escravos. Contra esta situação, opunham-se sectores da sociedade portuguesa mais relacionados com as actividades comerciais e mais expostos às pressões internacionais que se opunham ao fim de todas as formas de escravatura.

O que estava em causa neste contexto histórico, era a possibilidade de levar os roceiros de S. Tomé e Príncipe a adoptar formas inovadoras de exploração agrícola, mais eficazes do ponto de vista económico e mais de acordo com os novos valores dominantes na Europa. Mas, estas possibilidades enfrentavam a inércia de um modo de exploração colonial baseado na fácil e barata obtenção forçada de mão-de-obra, facilmente substituída, que alimentava com enormes lucros o modo de vida luxuoso de proprietários agrícolas absentistas.

Parece que hoje, como ontem, continuamos a enfrentar idênticos desafios relativamente aos nossos modelos de desenvolvimento. De facto, e como é referido num relatório da OCDE sobre Portugal, recentemente divulgado, continuamos a apostar em sectores económicos baseados em mão-de-obra barata, pouco qualificada, e num reduzido investimento na inovação. Quaisquer acréscimos de rendimento criados na economia portuguesa, traduzem-se mais facilmente num aumento do consumo imediato do que em investimentos que se traduzam em inovação tecnológica e em acréscimos sustentáveis da produtividade.

Noutro estudo divulgado pelos meios de comunicação social, as reduzidas taxas de absentismo laboral verificadas no nosso país, comparativamente com outros países europeus mais desenvolvidos, permitem relativizar o contributo directo deste factor para a explicação dos nossos reduzidos níveis de produtividade.

Estes factos parecem então radicar numa teia complexa de factores sociais e culturais com uma génese historicamente marcada e que pode explicar as atitudes dos diferentes actores sociais (trabalhadores, patrões, estado, sindicatos, etc.) relativamente à inovação tecnológica e ao desenvolvimento, e que permanecem como características duráveis na nossa sociedade.

Tudo isto reforça a opinião que se vai generalizando, que a mudança destas atitudes depende em larga medida de um investimento significativo na educação e na formação, permitindo a emergência de uma nova relação com a ciência e com a cultura no nosso tecido social, e constituindo-se como eixo estratégico de desenvolvimento do nosso país.

O que é preocupante é verificarmos o menor investimento do nosso país na educação, tendo como referência os restantes países da OCDE (relatório Education at Glance - 2004 apresentado pela OCDE), que se associa a percentagens ainda significativas de abandono e de insucesso escolar. Os disfuncionamentos do sistema educativo revelam-se igualmente nos fracos resultados dos nossos estudantes nos estudos internacionais de literacia em leitura, Matemática e Ciências.

Urge instituir a educação e a formação como áreas prioritárias de desenvolvimento, encontrando-se um movimento de opinião que imponha a necessidade de se instituir uma política educativa gerada a partir de um amplo consenso na sociedade portuguesa, ultrapassando-se uma situação em que as oportunidades político-partidárias conjunturais determinam constantes mudanças que se iniciam antes das anteriores terem sido completamente experimentadas e avaliadas.

No início do Séc. XX, a anacrónica manutenção do trabalho escravo implicou o boicote internacional ao cacau da colónia de S. Tomé e Príncipe o que teve graves consequências para o seu desenvolvimento.