por
Albérico
Afonso Costa
(Professor Adjunto do Departamento de Ciência Multiculturalidade e
Desenvolvimento)
Currículo, História e
Memória…
Não se pode exterminá-la?
A profunda desvalorização
que o ensino da História sofreu na recente reforma curricular do ensino
básico deve constituir motivo de reflexão e análise.
Um assunto que deveria constituir alarme social
tem passado praticamente despercebido na imprensa e mesmo nas escolas do
país. A Associação dos Professores de História tem estado praticamente
sozinha na tarefa de sensibilização para a discussão deste assunto. No
entanto trata-se de uma matéria que não pode ficar reduzida à estrita defesa
da dimensão corporativa.
No actual quadro
curricular, a disciplina de História é reduzida em muitas escolas a um único
tempo lectivo semanal (90 minutos) e passa a disputar a distribuição dos
tempos lectivos semanais com a Geografia, correndo o risco de futuro
desaparecimento do currículo como área autónoma de saber.
Esta é uma opção de
política educativa que não é nem ingénua, nem obra do acaso; ela é
consciente, intencional e premeditada.
Ela é filha de um tempo
que anuncia o “fim da história”, que entroniza o pensamento único, que
limita as alternativas, tentando apagar a memória, ou guardá-la como objecto
estático e inerte num museu, de preferência com as portas fechadas, não vá
ela ganhar vida. Ela é filha de uma opção que abjura o passado e diviniza o
presente, divulgado em cartilha simples, que até os simples compreendem.
Tadeu da Silva, um
iminente historiador da educação brasileiro sustenta que vivemos num momento
histórico em que os mestres pensadores oficiais, instalados nos escritórios
governamentais, nos institutos de investigação, nos media, na universidade,
nos entregam pronto e embalado o sentido e o significado do social, do
político e do educativo: é o pensamento prêt-à.porter.
Diz o autor que como num
catecismo, temos as perguntas e também as respostas. Os problemas? São os
gastos sociais, os obstáculos ao crescimento do mercado, o papel regulador
do Estado. Os culpados? São os funcionários públicos, os movimentos sociais,
os pobres. As soluções? É a flexibilização do mercado de trabalho, a
desregulamentação, a competitividade, a adaptação à “nova ordem mundial” e à
globalização.
O desafio que se coloca
aos professores de História e a todos nós educadores em geral, é termos a
capacidade não só de darmos outras respostas às perguntas atrás formuladas,
mas principalmente de fazer outras perguntas. A anorexização do ensino e da
aprendizagem da História é precisamente porque ela tem potencialidades de
criar instrumentos para uma análise aprofundada da realidade social,
política, económica e educativa. A História é apostada como um saber
perigoso porque preserva a memória, contribuindo para o desenvolvimento da
consciência social, porque recorda a construção de um passado colectivo que
não se esgota num presente deificado pela mercadoria.
A História transforma a
memória em experiência. A memória individual tem como referencial essa
memória colectiva, que é trabalhada na forja de identidades que se vão
enriquecendo à medida que nova informação desse passado é recriada no nosso
imaginário.
A memória contém passado,
presente e sobretudo futuro. O que há-de vir, é potenciado pelo que é, que é
produto do que já foi. Prescindir da memória é minar os alicerces do
edifício que é a consciência cívica dos povos. É por isso que não se pode
exterminá-la! |