... a defesa das ideias


Às quartas • 25/08/2004
Albertina Palmapor Albertina Palma
(
Professora do Departamento de Línguas da ESE)


Felizmente, há professores

Há algum tempo atrás circulava na Internet um texto de um jornalista russo, publicado no Pravda, sobre Portugal. Dizia o jornalista que éramos um país de pessoas notáveis, empenhadas e empreendedoras, capazes de grandes feitos não só passados mas também presentes, como, por exemplo, a Expo 98 e o Euro 2004.

Em síntese, para rematar o argumento, dizia que não era à toa que tínhamos conseguido manter a independência nacional quando outros, como a Catalunha, o País Basco, a Escócia, etc. não tinham. O problema, dizia o jornalista, era que os nossos actuais governantes, em vez de enaltecerem as virtudes lusas, contribuíam para a depressão nacional, o pessimismo e uma baixíssima auto-imagem. Enfim, não estavam à altura do seu povo.

Isto dizia ele em tempo de governo Barroso. Em tempo de governo Santana mais difícil é acreditar na expressão popular, que frequentemente se mostra errada, de que cada um tem aquilo que merece e cada povo tem o governo que merece. Nada mais errado. O que acontece é que muitas vezes o povo precisa de tempo para elaborar uma estratégia de conquista daquilo que merece, porque nada cai do céu, antes tem que ser construído, conquistado e defendido passo a passo, recuperando esforços ainda quando parece que está adormecido.

Passemos do geral ao particular. Falemos de educação, de escolas, de meninos. Falemos de professores. Os professores são um daqueles grupos de profissionais com capacidade para fazer diferença na vida das pessoas, com pequenos gestos ou palavras simples. Não todos, claro, mas alguns professores são por nós recordados durante a vida inteira por coisas que muitas vezes não têm a ver com os conhecimentos que nos transmitiram, mas por um novo olhar que nos proporcionaram e nos ajudou a ver as coisas de outro modo, um valor que nos guiou para sempre, uma inspiração, um sinal de confiança, de solidariedade, de humanidade e de esperança que por nossa vez espalhámos pelos outros numa cadeia de relações e interacções, inter-dependências e afectos.

Há dias, na cidade de São Paulo, no Brasil, um motorista de táxi, prestável, simpático, que se responsabilizava pessoalmente pelos seus passageiros enquanto estes viajavam por aquelas terras distantes e imensas que não se imagina (só a área metropolitana de São Paulo tem o dobro da população portuguesa!) mostrou uma sabedoria e uma sensatez, alicerçadas na sua experiência de vida pessoal e colectiva, que me tocou particularmente. Afirmava ele convictamente que os professores eram muito mal pagos, o que, ao contrário dos funcionários públicos, de quem tinha má impressão generalizada, era errado. Os professores, dizia ele, eram com quem os meninos passavam mais tempo e quem os orientava para a vida. Tinham um papel muito importante na sociedade e era de justiça que ganhassem o suficiente para poderem ter um padrão de vida compatível, o que actualmente só conseguiam se trabalhassem em duas ou mais escolas, com horários muito sobrecarregados. Estava errado, estava muito errado, os professores deviam ganhar mais.

Voltemos a Portugal e ao governo que não merecemos. O problema da educação, dos meninos e dos jovens portugueses é que não é só este governo. Temos tido sucessivos governos e ministros da educação que não merecemos. E assim, desde 1986, ano de consenso nacional em matéria de educação, que se consubstanciou numa Lei de Bases progressista, realista e sensata, a legislação complementar com vista à sua implementação mais parece um festival de horrores. Não que tudo tenha sido mau, considerado individualmente, mas o conjunto acabou por sair desconjuntado, inadequado, irrealista, injusto, acima de tudo ineficiente e ineficaz. De tal maneira que, se os professores tivessem levado à risca todas as determinações sobre currículo, organização, programas, manuais, avaliação, retenção, gestão, créditos e formação, agrupamentos, etc., duvido que as escolas ainda estivessem de pé.

Mas não! Para nossa surpresa, as escolas funcionam. Apesar do sentimento generalizado de frustração por parte daqueles que são os grandes obreiros da educação nacional e que poderiam e gostariam de fazer melhor, se tivessem mais meios e melhores políticas, os professores sabem filtrar a insensatez governativa e dar um cunho de autenticidade e de realismo à sua tarefa social. São muitos os exemplos de boas práticas educativas e muitos os professores que ficam na memória dos seus alunos. Ainda bem, porque aqui, como no outro lado do Atlântico, são eles que passam mais tempo com os nossos meninos e que os orientam para a vida. Apesar dos governos e das políticas nacionais, aqui, como no outro lado do Atlântico, felizmente, há professores.