por
Luciano Pereira
(Doutor
em Línguas e Literaturas Românicas,
Professor Adjunto e Coordenador do Departamento de Línguas da E.S.E. de
Setúbal)
Em nome do mérito
Após uma
aparatosa, e mais do que necessária, reformulação da legislação dos
concursos referentes à colocação dos professores, com a aprovação da maioria
do mundo sindical, e após uma anunciada “revolução informatizada” em nome
dos interesses humanistas que todos aplaudem, deparamo-nos, incrédulos, com
o maior desaire da história recente da nossa Administração Pública. A
“ousadia das mudanças profundas” apregoada pela tutela redundou num dos mais
clamorosos e patéticos fracassos de que se tem memória!
Os representantes dos
diferentes partidos da oposição, com ou sem experiência de Governo, mas
todos com sentido de Estado que baste, lá vão, mais ou menos timidamente,
expressando a necessidade de se apurar responsabilidades técnicas e
políticas. (Uma forma elegante de dizer que quem não sabe gerir os recursos
colectivos deve ter o bom senso de não o fazer!)
Em meu entender, nunca,
jamais, nenhum governo gozou de tanta compreensão, tolerância e, diria até,
de tão generosa solidariedade institucional. Ora, apesar deste verdadeiro
estado de graça, e do mais alto espírito de responsabilidade manifestado por
todos os parceiros sociais, nem tão pouco se dignou construir o consenso tão
necessário para uma Lei de bases do sistema Educativo eficaz e duradoura.
Alguns enfatizam a
dimensão da catástrofe: num universo de 120.000 professores, verificam-se
mais de 40.000 erros. A própria tutela identifica erros de palmatória e não
se inibe de culpar os técnicos que herdou das sucessivas levas dos famosos
“jobs for the roses”, fingindo ignorar os vários sedimentos laranjas que
foram progressivamente azedando todo o sistema.
Qualquer leigo na matéria,
embora desculpe o erro, não pode deixar de ficar profundamente indignado
perante fenómeno tão grosseiro e primário. Em primeiro lugar, porque não se
deve utilizar um instrumento que não se domina; em segundo, porque quando se
percebe que não se está preparado para um exame de uma determinada época
deixa-se para a época seguinte; em terceiro, porque compete ao Ministério
dar o exemplo em matéria de mérito, competência, eficácia, rigor e, antes de
tudo, bom senso!
As desculpas esfarrapadas
raiam o ridículo… Então, não é que entregaram à “Compta”, em forma de
empreitada, a responsabilidade do tratamento informático dos dados do
concurso e foram tratar de assuntos mais sérios e prementes! Então, ninguém
pressentiu, nem um só instante, que há certas coisas que só podem ser
realizadas na presença dos interessados? Que entende o programador de
legislação e que sabe ele de prioridades e das múltiplas excepções…? Ninguém
se lembrou de se fazer uma simulação, um ensaio antes de se publicar os
dados definitivos?
É assim que queremos
mobilizar a sociedade em torno do grande desígnio nacional que constitui a
Educação? É assim que queremos lutar contra as colocações tardias que tanto
prejudicam os alunos no início dos anos lectivos? É assim que queremos
trazer maior estabilidade às escolas e maior humanismo a um sistema que
obriga o docente a viver com a casa às costas, impossibilitando-o de criar
laços de amizade e de solidariedade com as famílias que deveria acompanhar?
A tutela reconhece que o
acontecido nunca deveria ter acontecido mas, com o maior despudor, auto
elogia-se em relação à concepção do modelo e sacode a água do capote no que
diz respeito aos erros da sua aplicação, chegando a invocar (com um
comovente excesso de zelo) que se deve manter, por razões de transparência
política, longe dos processos dos concursos. (Muito certamente para evitar
os fenómenos das cunhas em relação aos quais se tornou, compreensivelmente,
hiper-sensível.) Implora serenidade para que os programadores informáticos
possam exercer a sua criatividade, para que os técnicos possam recuperar a
sua auto-estima e para que possamos todos recuperar os 120.000 contos
investidos nos equipamentos informáticos. Confessa existirem erros de vária
natureza, promete apurar as várias responsabilidades, promete um novo
Software. Infelizmente, só não nos promete uma nova tutela!
Aí reside o fulcro da
questão. Quanto tempo mais nos contentaremos com a mediocridade em nome da
Democracia? Como recuperar a nossa auto-estima, a nossa segurança, a nossa
excelência, sem precisarmos de recorrer às fanáticas e milionárias emoções
dos “futebóis”? Que fazer com a incompetência que teima em gerir os nossos
destinos com tanta leviandade e inconsciência? Que exigir a quem tanto
exige?
Quem contratou a empresa
que fracassou? Quem gere a equipa que não se soube articular com a dita
empresa? Quem decidiu aplicar precipitadamente um modelo experimental sem
garantias de qualidade e sem, previamente, o ter posto à prova? Quem provoca
inseguranças e desconfianças? Quem se desculpa culpabilizando os professores
por não saberem preencher simples formulários? Quem se desculpa
culpabilizando as equipas técnicas por serem o que são? Quem assim procede
merecerá a nossa confiança?
Vivemos tempos difíceis, e
todos sabemos o quanto “das tripas fazemos coração”. E é do coração que vos
digo que quem assim procede não tem nenhum tipo de mérito. Quem não tem
nenhum tipo de mérito não nos merece. Quem não nos merece não nos pode
representar; e quem não nos pode representar perde qualquer legitimidade
para nos poder governar! |