... a defesa das ideias


• 06-10-2005 •

por Fernando Vasconcelos Almeida
(Professor do Departamento de Ciências, Multiculturalidade e Desenvolvimento)


Férias, cidades e autárquicas

Há um ano escrevi uma crónica para este espaço virtual do “Setúbal na rede”, que se inspirou numa das minhas leituras de férias. Desta vez, apetece-me escrever sobre os sítios que escolhemos para passar férias e sobre o desencanto que corresponde ao regresso ao sítio onde moramos.

É evidente que nem todos sentirão esse desencanto, uns porque não regressam de férias porque não vão de férias, outros porque residem em sítios mais agradáveis dos que escolhem para fazer turismo.

Creio que é normal que escolhamos sítios agradáveis e interessantes para as nossas férias, sítios que apresentem valores ambientais, paisagísticos ou culturais com qualidade e que enquadrem de forma adequada a concretização da nossa necessidade de descanso e de fazer coisas diferentes daquelas que fazemos durante o resto do ano. Se nestes sítios também pudermos aprender alguma coisa de novo – tanto melhor!

Quando chegamos ao nosso local de residência esperamos reencontrar as condições que marcam as funcionalidades do nosso quotidiano: a proximidade dos serviços de que necessitamos, a acessibilidade aos locais de trabalho e de estudo, a disponibilidade dos bens de diferentes tipos de que depende o nosso bem-estar. Por isto, os sítios onde moramos, sobretudo se morarmos nos grandes aglomerados urbanos que definem as áreas metropolitanas, não precisam de ser “bonitos”, precisam de ser úteis e funcionais.

Esta perspectiva pode relacionar-se com as características do crescimento urbano desta região, em que se respondeu ao grande aumento da população com um parque habitacional de reduzida qualidade e arquitectonicamente pobre, com uma deficiente relação com o enquadramento natural e parca de equipamentos sociais e de espaços de lazer. Hoje, em muitos locais, poucas alterações vemos: continua-se a construir desenfreadamente sem se atender suficientemente a valores estéticos, paisagísticos e ambientais e à medida que os edifícios mais velhos se vão degradando.

Os poderes autárquicos parecem impotentes para travar esta degradação crescente dos espaços onde vivemos, parecendo continuar a responder casuisticamente aos problemas criados pelo desordenamento e pela pressão imobiliária, abstendo-se de uma gestão urbana que antecipe e se oriente por uma ideia de cidade como um espaço agradável para se viver.

Há quem defenda que as preocupações estéticas na gestão urbana só podem surgir num estádio de desenvolvimento das cidades em que as suas funcionalidades básicas estejam asseguradas. No nosso caso, nesta região, a resposta aos problemas funcionais imediatos vai sucessivamente adiando e impedindo a construção de planos a longo prazo, que possam ir preparando e concretizando um espaço urbano mais agradável.

A questão coloca-se nestes tempos de pré-campanha eleitoral para as Autarquias: Porque é que o sítio onde vivemos não há-de ser semelhante aos sítios bonitos onde passamos férias?