... a defesa das ideias


• 06-10-2005 •

por António Mendes Lopes
(Professor do Departamento de Desporto da ESE)


 

Tudo ao lazer?

Há com efeito um fosso entre a percepção do tempo passado a trabalhar e o tempo realmente consagrado ao trabalho. Isto é provavelmente devido ao facto de o trabalho, ser actualmente, bastante valorizado. Quanto mais a semana de trabalho de um indivíduo é longa, mais ele sobrevaloriza a duração real do seu tempo de trabalho. Quando as pessoas trabalham à volta de 36 horas por semana, elas estimam um pouco mais ou menos correctamente a duração do seu trabalho. Se elas trabalham menos de 30 horas, elas subestimam o tempo aí passado.

Uma boa forma para analisar o fenómeno consiste não em medir a duração percebida, mas a duração real do tempo consagrado ao trabalho. Aplicada esta metodologia, ela demonstra bem que durante um longo período, ou seja desde os anos 1960, que o tempo real de trabalho tem vindo tendencialmente a diminuir. Por outro lado, denota-se que desde os anos 1960, o tempo consagrado às tarefas domésticas é suficientemente estável e que o tempo de sono não mudou significativamente. O único ganhador, é o tempo consagrado aos lazeres: a televisão, os desportos, o ar livre, os espectáculos, a cultura, etc. A semana de lazer é agora quase tão longa como a semana de trabalho! Com efeito, sempre que ganhamos tempo, por exemplo encurtando a preparação das refeições, não é o mesmo destinado para dormir ou para trabalhar mais. É para dedicar mais tempo aos lazeres. É, no entanto importante, considerar duas nuances. A primeira, o tempo de trabalho teve efectivamente um acréscimo junto dos profissionais e dos quadros; eles têm um sentimento de trabalhar muito e isso corresponde à verdade. Deve-se no entanto evitar aplicar a sua situação ao conjunto da população, que, hoje, comparativamente com à 40 anos, trabalha cada vez menos horas. O aumento do tempo de lazer e a redução da semana de trabalho foram atingidos rapidamente entre o decénio de 1960 e os meados dos anos 1980. Depois, a situação estabilizou. 

Independentemente de existirem grupos menos activos na população, como é o caso dos jovens e dos reformados, não deixa de ser, desde os meados dos anos 1980, o tempo consagrado às actividades físicas e desportivas e de ar livre, no sentido mais vasto de termo, o que mais tem aumentado, isto é, as actividades de contacto com o exterior. 

Mas estamos nós neste início do século, a viver a sociedade activa dos lazeres como foi prometido nos idos anos de 60? 

Digamos que para uns sim e para outros não! 

A sociedade dos lazeres é hoje para os reformados que a vivem. Os grandes ganhadores do tempo livre são aqueles que atingiram a sua reforma suficientemente “jovens” e aqueles que se encontram com saúde. Também os jovens beneficiam desta sociedade; independentemente dos seus estudos e do trabalho (!). 

Paradoxalmente para o resto da população, fala-se de se atingir um equilíbrio. Quer dizer, quanto aos outros, e em especial os da geração de 1970 que estão algures para lá do meio do caminho, terão ainda que trabalhar, ao contrário das expectativas criadas nas décadas anteriores, muito mais. Resta saber, se quando chegarem ao fim do seu percurso de trabalho ainda terão energia e saúde para usufruir cabalmente da dita sociedade dos lazeres.