... a defesa das ideias


 • 10-08-2005
 

por Manuela Fonseca
(Professora de Língua Portuguesa da ESE)


 

Educação pelo teatro (ou como os peixes hão-de voar)

Disse Garcia Lorca a frase célebre: “Um povo que não ajuda e não fomenta o seu teatro, se não está morto, está moribundo (…)”. Num momento de delicadeza especial por que o país passa, quando os jovens oriundos de meios desfavorecidos são afastados da esperança, da sabedoria, das artes, dos ofícios, de uma escolarização digna, com objectivos deliberados do poder no sentido de os manter na ignorância para mais docilmente servirem os interesses dos que, já tendo batido na avó (como nos lembrou Sérgio Godinho, há largos anos, numa canção ainda, infelizmente, actual), continuam a fazê-lo com os netos, as duas peças de Arnold Wesker, autor dramático inglês dos mais respeitados, representados e conhecidos da actualidade (Yardsale, 1983, traduzida por Desbarato, Letter to a daughter, 1990, Carta a uma filha), que o TAS (Teatro de Animação de Setúbal) apresenta como 99.ª produção (a retomar em Setembro, após férias do grupo de trabalho), sob a designação de Os peixes nunca hão-de voar, poderão ser um dos caminhos de levar a escola ao teatro.


De facto, a temática das mesmas ligada à solidão, às relações familiares, por vezes ao desespero, sob a forma de monólogos de mulheres, sequenciados sem intervalo, a música ao vivo e o tempo de cena passível de manter o interesse dos jovens do princípio ao fim, são um convite a que professores de Português, de Expressão Dramática e de outras disciplinas de Setúbal, cidade e Distrito, entrem em contacto com o TAS e organizem visitas de estudo com as seus alunos, que, a partir do 9.º ano, estarão em condições de apreender a mensagem de Wesker, de Miguel Assis, o encenador, de Susana Brito, a assistente de encenação, das actrizes Sónia Martins (no papel de Stephanie) e Isabel Ganilho (no de Melanie) que se entregam às personagens criadas/construídas com mestria e paixão. Com eles e como eles, em demonstração de profissionalismo de excelência (palavra para aí tão propalada quando se fala de riquezas materiais e tão esquecida em relação à cultura!): Duarte Victor, na voz “off”, Zé Nova, na cenografia e figurinos, Ângelo Fernandes, no cartaz e fotografia de cena, Miguel Ramos, na sonoplastia e banda sonora, António Rosa, na luminotecnia, João Carlos, na montagem e como contra-regra, José Santos, na assistência de montagem, Mercedes Lança, costureira, João Gaspar, na produção executiva, Ângela Rosa, no secretariado.
  

Wesker − cujo trabalho conheci, há mais de três décadas, através de Luzia Maria Martins, figura ímpar de encenadora, no Teatro Estúdio de Lisboa, com The kitchen, (A cozinha), peça de 1957 − e o TAS poderão constituir um marco pedagógico pelo interesse que Os peixes nunca hão-de voar despertará, certamente, em educadores (referi docentes e acrescento pais e outros familiares próximos dos jovens, como membros de vertente comunitária em apoio à escola) e educandos, se divulgados nesse sentido. Então o gosto pela palavra bem escrita, bem dita, bem figurada, fará o caminho que leve uns e outros:

· a construir e a desenvolver actividades valiosas e respeitadas,

· a produzir materiais de carácter linguístico, dramático, interdisciplinares que sejam sinal positivo das escolas em diversas áreas do conhecimento.
 
Para que o gosto por apreciar e fazer o que é Belo abra mais portas e janelas do presente, numa Pátria sempre adiada para os menos favorecidos, com as metas agendadas para um futuro longínquo que faz, deliberadamente, esquecer o passado, hipotecar a actualidade e indicar-lhes um porvir sem esperança que a Arte e a Escola, em interacção, poderão ajudar a transformar. Para que a Liberdade e a Democracia não sejam condicionadas para a maioria das pessoas. E, finalmente, para que os peixes possam voar!