por Manuela Fonseca
(Professora de Língua Portuguesa da ESE)
Educação pelo
teatro (ou como os peixes hão-de voar)
Disse Garcia Lorca a frase célebre: “Um povo que
não ajuda e não fomenta o seu teatro, se não está morto, está
moribundo (…)”. Num momento de delicadeza especial por que
o país passa, quando os jovens oriundos de meios desfavorecidos
são afastados da esperança, da sabedoria, das artes, dos ofícios,
de uma escolarização digna, com objectivos deliberados do
poder no sentido de os manter na ignorância para mais docilmente
servirem os interesses dos que, já tendo batido na avó (como
nos lembrou Sérgio Godinho, há largos anos, numa canção ainda,
infelizmente, actual), continuam a fazê-lo com os netos, as
duas peças de Arnold Wesker, autor dramático inglês dos mais
respeitados, representados e conhecidos da actualidade (Yardsale,
1983, traduzida por Desbarato, Letter to a daughter, 1990,
Carta a uma filha), que o TAS (Teatro de Animação de Setúbal)
apresenta como 99.ª produção (a retomar em Setembro, após
férias do grupo de trabalho), sob a designação de Os peixes
nunca hão-de voar, poderão ser um dos caminhos de levar a
escola ao teatro.
De facto, a temática das mesmas ligada à solidão, às relações
familiares, por vezes ao desespero, sob a forma de monólogos
de mulheres, sequenciados sem intervalo, a música ao vivo
e o tempo de cena passível de manter o interesse dos jovens
do princípio ao fim, são um convite a que professores de Português,
de Expressão Dramática e de outras disciplinas de Setúbal,
cidade e Distrito, entrem em contacto com o TAS e organizem
visitas de estudo com as seus alunos, que, a partir do 9.º
ano, estarão em condições de apreender a mensagem de Wesker,
de Miguel Assis, o encenador, de Susana Brito, a assistente
de encenação, das actrizes Sónia Martins (no papel de Stephanie)
e Isabel Ganilho (no de Melanie) que se entregam às personagens
criadas/construídas com mestria e paixão. Com eles e como
eles, em demonstração de profissionalismo de excelência (palavra
para aí tão propalada quando se fala de riquezas materiais
e tão esquecida em relação à cultura!): Duarte Victor, na
voz “off”, Zé Nova, na cenografia e figurinos, Ângelo Fernandes,
no cartaz e fotografia de cena, Miguel Ramos, na sonoplastia
e banda sonora, António Rosa, na luminotecnia, João Carlos,
na montagem e como contra-regra, José Santos, na assistência
de montagem, Mercedes Lança, costureira, João Gaspar, na produção
executiva, Ângela Rosa, no secretariado.
Wesker − cujo trabalho conheci, há mais de três décadas,
através de Luzia Maria Martins, figura ímpar de encenadora,
no Teatro Estúdio de Lisboa, com The kitchen,
(A cozinha), peça de 1957 − e o TAS
poderão constituir um marco pedagógico pelo interesse que
Os peixes nunca hão-de voar despertará, certamente,
em educadores (referi docentes e acrescento pais e outros
familiares próximos dos jovens, como membros de vertente comunitária
em apoio à escola) e educandos, se divulgados nesse sentido.
Então o gosto pela palavra bem escrita, bem dita, bem figurada,
fará o caminho que leve uns e outros:
· a construir e a desenvolver actividades valiosas e respeitadas,
· a produzir materiais de carácter linguístico, dramático,
interdisciplinares que sejam sinal positivo das escolas em
diversas áreas do conhecimento.
Para que o gosto por apreciar e fazer o que é Belo abra mais
portas e janelas do presente, numa Pátria sempre adiada para
os menos favorecidos, com as metas agendadas para um futuro
longínquo que faz, deliberadamente, esquecer o passado, hipotecar
a actualidade e indicar-lhes um porvir sem esperança que a
Arte e a Escola, em interacção, poderão ajudar a transformar.
Para que a Liberdade e a Democracia não sejam condicionadas
para a maioria das pessoas. E, finalmente, para que os peixes
possam voar!
|