... a defesa das ideias


 • 13-07-2005
 

por Fernanda Botelho
(Professora adjunta do Departamento de Línguas da ESE de Setúbal)


 

Globalização e cidadania: reflexões soltas

A globalização da informação, da comunicação (e consequentemente da cultura) e os movimentos migratórios caracterizam, hoje, as sociedades actuais, transformando-as, inexoravelmente; a circulação de culturas exige aos cidadãos do mundo uma mentalidade diferente, viabilizadora de uma ordem mundial que se deseja mais equilibrada e solidária.

Efectivamente, a proximidade imposta pela globalização configura os tempos em que vivemos e gera mudanças culturais e até civilizacionais a ritmos acelaradíssimos. A educação, como actividade sócio-comunitária que é, terá de se reconfigurar para se adaptar a um mundo denso de informação, multicultural, globalizado, veloz e ainda “numa economia sedenta de formas de aprendizagem ao longo da vida” (Carneiro, 1997).

O fenómeno da globalização, paradigmático do percurso das sociedades coevas, e o desenvolvimento científico e tecnológico, verificados no campo da informação, colocaram novas necessidades de comunicação aos povos do mundo, valorizando-as, o que se tem repercutido, também, num expressivo estímulo à aprendizagem de línguas, divulgando-as significativamente. Neste sentido, surge valorizado também o domínio das línguas e culturas maternas. Deste modo, aprender línguas passa a centrar-se não tanto na língua como objecto de estudo em si mesma, mas como meio de acesso ao outro e como instrumento de interacção pessoal e intercultural, visando uma melhor compreensão entre os cidadãos do mundo (São neste sentido os documentos de política educativa europeus que enquadram a aprendizagem de línguas.)

Por outro lado, todos os avanços e desenvolvimentos científicos e tecnológicos constituem mudanças significativas na sociedade, trazendo consigo aspectos positivos e negativos; deste modo, as questões da globalização, da informação e da sua acessibilidade e utilização constituem inquestionável conquista da Humanidade (Sá Chaves, 2001; Sousa Santos, B., 1989). Todavia, delas se excluem milhões de cidadãos do mundo que não dispõem de pré-requisitos básicos, no que se refere às suas condições de vida e muito menos de formação, que lhes possibilitem o acesso e, por consequência, a possibilidade de permutar, de descobrir e de reconstruir o conhecimento, isto é de aprender, impedindo-os da assumpção plena da sua cidadania.

Tal com venho afirmando (2002;2004;2005), o conceito de cidadania implica hoje pertenças plurais e que se situam a vários níveis, designadamente, do planeta, de um mundo ocidental em que nos integramos, de uma Europa de que fazemos parte, de uma península que constituímos, de um país, de uma região e de uma comunidade em que vivemos e agimos. Outras pertenças se vão consolidando, também, no mundo lusófono.

As profundas reformas que se avizinham, decorrentes da implementação da Declaração de Bolonha, para que se estabeleça até 2010, ainda que de modo faseado, o designado “espaço europeu do ensino superior”, pressupõem e implicam mudanças profundas neste nível de ensino, que se deseja de inovação e qualidade, de forma a consubstanciar os seus desígnios: a mobilidade plena dos cidadãos, a empregabilidade efectiva e o desenvolvimento da Europa, sustentados no crescimento económico, na competitividade e no conhecimento.

Todavia, tais reformas terão de ser coerentes com um maior equilíbrio e implicação com os destinos da Europa e do mundo, ou seja, da Humanidade em geral; deverão apontar para um desenvolvimento científico e tecnológico favorecedor do desenvolvimento social global. É justamente no sentido de esbater profundas desigualdades não só entre os povos, mas dentro de cada povo que a educação se edifica com um importante papel nesta tarefa complexa de conciliar, harmoniosamente, crescimento económico e desenvolvimento científico e social, para o que o domínio de línguas poderá dar contributo relevante.

Termino salientando a ideia de compromisso da educação enquanto fenómeno social, local, regional, europeu e do mundo, factor de desenvolvimento e promoção social de todos os cidadãos, numa necessária conquista e consolidação, em permanência, da sua cidadania democrática.