por Fernanda Botelho
(Professora adjunta do Departamento de Línguas da ESE de Setúbal)
Globalização
e cidadania: reflexões soltas
A globalização da informação, da comunicação (e consequentemente
da cultura) e os movimentos migratórios caracterizam, hoje,
as sociedades actuais, transformando-as, inexoravelmente;
a circulação de culturas exige aos cidadãos do mundo uma mentalidade
diferente, viabilizadora de uma ordem mundial que se deseja
mais equilibrada e solidária.
Efectivamente, a proximidade imposta pela globalização configura
os tempos em que vivemos e gera mudanças culturais e até civilizacionais
a ritmos acelaradíssimos. A educação, como actividade sócio-comunitária
que é, terá de se reconfigurar para se adaptar a um mundo
denso de informação, multicultural, globalizado, veloz e ainda
“numa economia sedenta de formas de aprendizagem ao longo
da vida” (Carneiro, 1997).
O fenómeno da globalização, paradigmático do percurso das
sociedades coevas, e o desenvolvimento científico e tecnológico,
verificados no campo da informação, colocaram novas necessidades
de comunicação aos povos do mundo, valorizando-as, o que se
tem repercutido, também, num expressivo estímulo à aprendizagem
de línguas, divulgando-as significativamente. Neste sentido,
surge valorizado também o domínio das línguas e culturas maternas.
Deste modo, aprender línguas passa a centrar-se não tanto
na língua como objecto de estudo em si mesma, mas como meio
de acesso ao outro e como instrumento de interacção pessoal
e intercultural, visando uma melhor compreensão entre os cidadãos
do mundo (São neste sentido os documentos de política educativa
europeus que enquadram a aprendizagem de línguas.)
Por outro lado, todos os avanços e desenvolvimentos científicos
e tecnológicos constituem mudanças significativas na sociedade,
trazendo consigo aspectos positivos e negativos; deste modo,
as questões da globalização, da informação e da sua acessibilidade
e utilização constituem inquestionável conquista da Humanidade
(Sá Chaves, 2001; Sousa Santos, B., 1989). Todavia, delas
se excluem milhões de cidadãos do mundo que não dispõem de
pré-requisitos básicos, no que se refere às suas condições
de vida e muito menos de formação, que lhes possibilitem o
acesso e, por consequência, a possibilidade de permutar, de
descobrir e de reconstruir o conhecimento, isto é de aprender,
impedindo-os da assumpção plena da sua cidadania.
Tal com venho afirmando (2002;2004;2005), o conceito de cidadania
implica hoje pertenças plurais e que se situam a vários níveis,
designadamente, do planeta, de um mundo ocidental em que nos
integramos, de uma Europa de que fazemos parte, de uma península
que constituímos, de um país, de uma região e de uma comunidade
em que vivemos e agimos. Outras pertenças se vão consolidando,
também, no mundo lusófono.
As profundas reformas que se avizinham, decorrentes da implementação
da Declaração de Bolonha, para que se estabeleça até 2010,
ainda que de modo faseado, o designado “espaço europeu do
ensino superior”, pressupõem e implicam mudanças profundas
neste nível de ensino, que se deseja de inovação e qualidade,
de forma a consubstanciar os seus desígnios: a mobilidade
plena dos cidadãos, a empregabilidade efectiva e o desenvolvimento
da Europa, sustentados no crescimento económico, na competitividade
e no conhecimento.
Todavia, tais reformas terão de ser coerentes com um maior
equilíbrio e implicação com os destinos da Europa e do mundo,
ou seja, da Humanidade em geral; deverão apontar para um desenvolvimento
científico e tecnológico favorecedor do desenvolvimento social
global. É justamente no sentido de esbater profundas desigualdades
não só entre os povos, mas dentro de cada povo que a educação
se edifica com um importante papel nesta tarefa complexa de
conciliar, harmoniosamente, crescimento económico e desenvolvimento
científico e social, para o que o domínio de línguas poderá
dar contributo relevante.
Termino salientando a ideia de compromisso da educação enquanto
fenómeno social, local, regional, europeu e do mundo, factor
de desenvolvimento e promoção social de todos os cidadãos,
numa necessária conquista e consolidação, em permanência,
da sua cidadania democrática. |