No caso do ensino superior – onde coexiste a par de
inovações importantes sob o ponto de vista da formação e da
investigação, a rotina, a reprodução de ideias, o
academismo, a desregulação e muito laxismo – a necessidade
de reforma tem-se afigurado um aspecto importante.
Necessidade de reforma que apresenta argumentos muitas vezes
paradoxais situados entre as necessidades do mercado, a
competitividade até à defesa de teses menos funcionalistas.
Por outro lado, a educação e a formação na construção
europeia afirma-se como um elemento estruturante em
particular a constituição de um espaço europeu de ensino
superior de forma a dar corpo àquilo que alguns designam por
‘construção da sociedade do conhecimento’
Neste contexto, a Declaração de Bolonha, assinada em 19
de Junho de 1999 por 29 países incluindo Portugal,
reconhecia que “a Europa do conhecimento constitui factor
insubstituível para o crescimento humano e social, sendo
componente indispensável para a consolidação e para o
enriquecimento da cidadania europeia, capaz de fornecer aos
seus cidadãos as necessárias competências para encarar os
desafios do novo milénio (…)”. Para além da “obtenção de
maior compatibilidade e de maior comparabilidade dos
sistemas do ensino superior” esta declaração assinalava o
“objectivo de elevar a competitividade internacional do
sistema europeu do ensino superior” de modo a “assegurar que
o sistema europeu do ensino superior consiga adquirir um
grau de atracção mundial semelhante ao das nossas
extraordinárias tradições cultural e científica”.
Num artigo do Expresso de 7 de Maio (p.p.) intitulado
“Bolonha à portuguesa” escrevia-se que “os países ou as
universidades que rejeitarem os princípios de Bolonha vão
sofrer grandes pressões da concorrência” .
Ora estas ideias de competitividade, ‘atracção mundial’,
economia e mercado que faça frente à concorrência dos
sistemas americano e japonês (só para citar dois exemplos)
não têm sido devidamente discutidas, nem enquadradas. Apesar
de algumas vozes mais lúcidas como por exemplo Alberto
Amaral, presidente do Centro de Investigação de Políticas do
Ensino Superior, que numa entrevista publicada no Público de
10 de Janeiro último criticava alguns aspectos desta
Declaração por considerar que ela tem muito mais a ver com
questões de ordem económica do que com questões académicas
ou formativas.
Pela minha parte não questiono algumas dimensões desta
declaração no que se referem (1) à pertinência de pensar e
reestruturar o ensino superior no contexto europeu, (2) à
“promoção da mobilidade, (3) à internacionalização, (4) ao
“estabelecimento de um sistema de créditos” que valorizem
outras dimensões da educação e formação que não apenas a
adquirida na escola.
O que questiono é a ‘ditadura’ da economia, do mercado,
da competitividade sobre outras lógicas de pensar e de
organizar a educação e a formação. Isto por uma razão muito
simples: a educação e a formação não são mercadorias. A
‘regulação’, ‘controlo de produção’, ‘produto final’ e
‘clientes’ adquirem outros contornos. Em educação o que é
mais distintivo é o processo. Ao contrário de outros meios
de produção, na educação e na cultura a qualidade varia na
razão directa do investimento.
Daí a importância de contrapor à ‘ditadura da economia de
mercado neo-liberal’ a assunção de uma educação e de uma
escola públicas com características distintivas em que a
formação científica, artística, pedagógica e a organização
não se transformem num mero “hipermercado de formação à
la carte”, que, com as suas estratégias de marketing,
tente vender “um determinado produto” em que as pessoas
passam a ser “clientes, utentes e/ou consumidores” como se
de mercadorias também se tratassem.
Enquanto na educação, na formação e na cultura
predominarem lógicas assentes nas necessidades do mercado,
sempre voláteis e contingenciais, estão condenadas a um
triplo constrangimento: nem satisfazem as necessidades do
mercado, nem as expectativas das pessoas e das comunidades,
nem dão corpo a um ensino superior de excelência.
As indecisões nas políticas centrais, aliadas ao pouco
trabalho crítico, científico e pedagógico de diferentes
instâncias formativas, não têm permitido uma reflexão
aprofundada acerca dos modos de pensar, organizar e
operacionalizar a educação e a formação que transcenda as
questões da economia de mercado, da empregabilidade, da
competitividade.
A questão deve centrar-se mais no eixo das expectativas
do que nas necessidades, mais no eixo prospectivo do que
numa mera resposta ao presente. Daí a tarefa de passar de
uma lógica utilitarista para uma lógica da pertinência, de
uma lógica da economia e do mercado para uma lógica das
pessoas, de uma lógica de conformidade para uma lógica de
gestão do imprevisível, de uma lógica assente no ensino e no
professor para uma lógica dos saberes e da aprendizagem do
estudante.
Apesar da urgência do tempo presente ou as instituições
fazem um trabalho sério e sustentado tentando encontrar
outros modos de olhar, pensar e de organizar a educação e a
formação ou acontece o que aconteceu à nêspera no poema
“Rifão Quotidiano” de Mário Henrique Leiria. É comida pela
velhinha. E porquê? Porque ficou à espera, sentada, a ver o
que é que acontecia. Ou seja, não soube (não quis?)
construir o futuro de um outro modo. E não será tarefa do
ensino superior ajudar a criar possibilidades naquilo que
parece ser impossível?