... a defesa das ideias


Às quartas • 23/02/2005

por Ana Pires Sequeira
(Docente do Departamento de Línguas da ESE)


 

«Crise na Educação»???


Nos tempos conturbados por que temos passado, eles falaram… falaram e só ouvimos: Crise na Educação. Sem pretensões a uma análise profunda sobre esta temática, não posso deixar de me interrogar, enquanto cidadã e docente, se a Educação em Portugal está realmente em crise ou se esta realidade em que nos movemos “sofre” da mesma enfermidade do restante país. A esta enfermidade, que designo por “iliteracia política”, aponto como principais virús infecciosos, o desconhecimento da realidade, o facilitismo e a leviandade na tomada de decisões, e ainda, a verborreia dos sucessivos governos, em particular, dos sucessivos ministros da educação, que teimam em aceitar cargos, para os quais não têm as necessárias competências (o saber, o saber fazer, …).

Após três dias em que todos fomos chamados a exercer o nosso direito de cidadãos livres, ou seja, a poder optar pelo perpetuar da realidade política vigente ou a alterá-la, interrogo-me como o futuro executivo irá “tratar” o que, também, designam por «Crise na Educação»!

Será que vão continuar a falar da «Crise na Educação» e não vão assumir, de uma vez por todas, medidas que todos sabemos poderem não ser politicamente convenientes, ou seja, não serem geradoras de apoiantes, os tais, os votantes, que possibilitam a perpetuação dos tão desejados cargos ministriáveis e outros que tais…

Todos sabemos que qualquer medida estruturante não se compadece com o tempo vigente de uma legislatura. Todos sabemos que qualquer mudança tem de emergir, fundamentalmente, dos diferentes contextos de terreno e, ainda, de ser pensada, concebida e implementada com o envolvimento dos diferentes intervenientes nesse processo. Todos, também, sabemos que há que assumir decisões que, nalguns casos, podem colidir com interesses, nomeadamente financeiros, de alguns sectores da sociedade.

Todos sabemos:

- o elevado índice de analfabetismo do país, e da necessidade de programas de alfabetização e de complemento de formação de adultos;

- o défice de oferta de instituições públicas de educação de infância, e da necessidade urgente do seu alargamento;

- o elevado número de alunos por turma nos grandes centros urbanos e periféricos, e da necessidade da sua redução de modo a que o processo de ensino-aprendizagem seja integrador de todos os alunos;

- a diminuição do número de alunos, em algumas zonas do país, e da consequente extinção de escolas ou dessa ameaça, e da necessidade de as manter numa perspectiva preventiva contra a desertificação e o empobrecimento dessas zonas;

- o elevado número de alunos de nacionalidade estrangeira e cuja língua materna não é o português, a frequentar as nossas escolas sem qualquer projecto educativo nacional enquadrador desta “nova” realidade, e da necessidade de espaços facilitadores de adaptação à cultura, à língua e à realidade do país de acolhimento sem descurar o respeito pela diversidade cultural e linguística e pelo garante do direito à educação, com a adopção de medidas, nomeadamente, o recurso a mediadores culturais e linguísticos;

- do desinvestimento progressivo em recursos humanos, técnicos e financeiros no apoio a alunos com necessidades educativas próprias, e da necessidade de garante do direito à educação destas crianças e jovens promovendo a formação especializada de professores e a criação de equipas multidisciplinares;

- do desinvestimento na qualidade do sistema público de educação, e da necessidade da sua defesa;

- as “agruras” das colocações anuais a que grande parte dos professores estão sujeitos e da consequente e justificável falta de motivação que tal situação acarreta a estes profissionais, e da necessidade urgente de alterar as formas e os tempos actuais de concurso, de modo a que não só possibilite o início atempado do ano lectivo como lhes facilite a colocação no local pretendido e, caso tal se não verifique possam usufruir de subsídios de deslocação e instalação;

- a falta de recursos didácticos, de equipamentos laboratoriais, para não referir mais exemplos, com que as escolas estão equipadas, e da necessidade urgente de alterar esta situação;

- da publicitação do equipamento de todas as escolas com computadores e ligação à Internet, e da necessidade de tal medida ser acompanhada com recursos financeiros que possibilitem a manutenção e a aquisição de software adequado;

- da gratuitidade do ensino ao longo do ensino básico, e da necessidade de a tornar real, com o seu alargamento aos manuais escolares, ao restante material necessário e, ainda, aos transportes escolares e ao incremento de equipas de saúde escolar;

- da proliferação de manuais escolares, da sua falta de rigor científico, da sua visão estereotipada da realidade nacional e planetária, e da necessidade de uma efectiva certificação;

- o “poder” adquirido pelas empresas editoriais que se sobrepõem aos programas, “ditando” os conteúdos programáticos e, nalguns casos, também, se imiscuindo nas metodologias de ensino, e da necessidade imperativa de delimitar o “poder” destas editoras e de todas as “benesses” com que foram favorecidas;

- a inadequação dos programas de ensino à realidade actual, e da sua necessidade de flexibilização e adequação aos diferentes contextos regionais e locais e aos efectivos interesses dos destinatários, viabilizando reais Projectos Educativos de Escola;

- a forma arbitrária e autoritária como foram “lançados” os agrupamentos de escola, e da necessidade de um princípio de democracia e representatividade de todos os membros da comunidade educativa conducente à construção de relações de efectiva cooperação.

Todos sabemos!

E, todos “avaliaremos” este executivo, quer lutando para desocultar o desconhecimento da realidade, quer o facilitismo ou a leviandade na tomada de decisões!