por
Albérico Afonso
(Professor Adjunto do Departamento Ciência
Multiculturalidade e Desenvolvimento)
A canalha é indigna
de ser esclarecida
Hoje em dia nenhum
dirigente político ou candidato a governante tornaria
públicas ou se inspiraria nas recomendações que Voltaire
fazia ao rei da Prússia em 1757: “A canalha é indigna de ser
esclarecida (…) é essencial que haja cozinheiros ignorantes
(…) e o que é de lei é que o povo seja guiado e não que seja
instruído”. Pelo contrário a generalidade dos dirigentes
políticos actuais por convicção ou por pressão do povo
“ignorante” levam a sério as recomendações que na mesma
época Diderot fazia à imperatriz da Prússia, defendendo a
instrução para todos: “É bom que todos saibam ler, escrever
e contar”, dizia ele, “desde o primeiro-ministro ao mais
humilde dos camponeses”. E justificava: “Porque é mais
difícil explorar um camponês que sabe ler do que um
analfabeto” (Arroyo,2004).
Este intróito vem a propósito
da leitura recente que fiz do programa do actual governo
socialista. E de facto, no que diz respeito às políticas
educativas, se há algumas das medidas preconizadas com as
quais não me identifico, há outras que merecem a minha
concordância, porquanto são medidas que podem e devem ser
levadas a sério e que exigem uma postura propositiva por
parte dos vários actores sociais.
No que são consideradas as
“ambições para a legislatura”, sublinha-se que: “As escolas
são o centro do sistema educativo. Devem estruturar-se numa
rede coerente de recursos de educação e formação ao longo do
território. É necessário consolidar a dinâmica dos
agrupamentos das escolas do ensino básico, numa lógica em
que a organização seja instrumental face às necessidades
educativas. (…)
O governo considera desejável
uma maior autonomia das escolas que garanta a sua capacidade
de gerir os recursos e o currículo nacional, de estabelecer
parcerias locais e adequar o seu serviço às características
e necessidades próprias dos alunos e das comunidades que
servem”.
Não podia estar mais de
acordo. É minha convicção que a defesa da escola pública e o
reforço da sua qualidade passa pelo aprofundamento da sua
inserção social em moldes que permitam cerzir uma nova teia
de relações plurais com a comunidade em que se insere.
O fortalecimento de relações
com “a comunidade que serve” e a intensificação dos laços de
cooperação devem significar potenciar e partilhar os
recursos da escola (instalações desportivas, meios
audiovisuais, informáticos, salas de conferências,
polivalentes …) na perspectiva de serviço às comunidades
locais através do desenvolvimento de projectos de parceria
que envolvam os diversos protagonistas sociais e potenciem
novas formas de intervenção cultural, educativa, artística,
desportiva, etc.
Sem querer ser exaustivo, nem
querer apresentar um programa pronto a consumir não
será no entanto difícil referir alguns projectos que podem
beneficiar de e com esta contaminação social: combate
à iliteracia, combate à info-exclusão, formação destinada a
nova inserção profissional de desempregados, ou ainda formas
mais clássicas de actividades em parceria com a comunidade
local através da dinamização de conferências, colóquios,
exposições, em concomitância a escola deve ainda estar
sensível e aberta à participação das iniciativas promovidas
pelas comunidades locais.
A escola pública só tem a
ganhar se recusar formas de institucionalização e guetização
do espaço educativo. A modernização da escola só é exequível
como parceira do movimento social de molde a evitar que a
educação se reduza à escolarização. Esta será a via que
poderá aproximar as crianças e os jovens dos adultos, a
escola do trabalho, a educação da produção, a teoria da
prática.
A escola pública só tem a
ganhar se reconhecer e valorizar a legitimidade do saber da
gente comum e se reconhecer que as comunidades locais
também são produtoras de saber e de cultura. |