Relançar a campanha 'Pobreza Zero'


maria santos
2005/10/06

 

Muitos portugueses têm vindo, ultimamente, a ser "tocados" pela campanha "Pobreza Zero", uma acção internacional desencadeada por cerca de 900 organizações não governamentais de de-senvolvimento, oriundas de 70 países. Esta campanha faz apelo a cada um de nós, para uma participação mais activa e solidária na luta contra a pobreza. Foi assim que o recente concerto dos U2 em Lisboa representou, sem dúvida, um importante impulso para as iniciativas da Oikos (Associação de Cooperação e Desenvolvimento, coordenadora da campanha em Portugal, a decorrer desde Julho, e que pode ser acompanha- da através do site www.pobrezazero.org). As pulseiras brancas (símbolo internacional da luta contra a pobreza) também têm sido distribuídas amplamente no nosso país, e um manifesto-apelo da sociedade civil para uma acção global contra a pobreza no mundo - subscrito por milhares de cidadãos - foi entregue, no passado dia 9 de Setembro, no Gabinete do primeiro-ministro.

Participar, actuar, exigir dos governos o cumprimento das promessas estabelecidas na Declaração do Milénio, ou seja, concretizar os oito objectivos específicos para o desenvolvimento mundial, aprovados pelas Nações Unidas, em 2000, é uma tarefa que nos deve mobilizar a todos! Não podemos esquecer que, então, chefes de Estado e de Governo, entre os quais o nosso, declararam solenemente a sua determinação política de, até 2015, reduzirem para metade a fome e a pobreza extrema. É certo que faltam ainda dez anos para se cumprirem as premissas estabelecidas nos Objectivos do Milénio, esse "catálogo" de compromissos que incorpora algumas das recomendações das conferências mundiais realizadas entre 1992 e 1996, com destaque para a Cimeira da Terra (Rio de Janeiro, 1992), a Conferência sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994) ou a Cimeira Mundial sobre Alimentação (Roma, 1996).

No entanto, essas diversificadas orientações políticas, que vão desde "o combate à sida, ao paludismo e à tuberculose, ao acesso à água potável, habitação salubre e à garantia da sustentabilidade ambiental, à promoção da igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres, à redução em dois terços da mortalidade infantil e em três quartos da mortalidade maternal, à necessidade de assegurar a todas as crianças um ciclo de estudos básicos ou ao estabelecimento de uma parceria mundial para a ajuda pública ao desenvolvimento", carecem, hoje mais do que nunca, de um empenhamento sério e resoluto por parte dos líderes mundiais. Tanto mais que o balanço destes últimos cinco anos é, a meu ver, francamente desolador! O abismo entre ricos e pobres acentuou-se e, se não se estabelecerem medidas concretas e objectivos quantificados mais estritos e articulados, não se atingirá este louvável objectivo até 2015.

Segundo dados da "Global Call Against Poverty" (designação internacional da campanha "Pobreza Zero"), a manter-se este estado de coisas, cerca de 45 milhões de crianças morrerão; 247 milhões de pessoas na África subsariana terão de sobreviver com menos de um dólar por dia, e mais de cem milhões de meninas e meninos continuarão sem ir à escola. Estes são alguns dos números da nossa vergonha! Na resolução final da cimeira extraor- dinária das Nações Unidas, que decorreu em Nova Iorque, de 14 a 16 de Setembro, estes números ficaram sem respostas concretas e metas quantificáveis. Mais uma vez ali se reafirmaram compromissos anteriores, aprovaram "listas de boas intenções" e se inscreveu na história da ONU uma nova oportunidade perdida ou um "recorrente fracasso".

Alguns dirão que, ainda assim, se caminhou no bom sentido (dependendo da perspectiva que temos do "copo meio cheio ou meio vazio"), e que a cooperação multilateral é feita de cedências e de pequenos passos. No entanto, quando o mundo se confronta com ameaças globais que vão desde o terrorismo até à degradação ambiental, da proliferação nuclear à insegurança alimentar ou a novas pandemias... a pobreza extrema representa, sem dúvida, o fenómeno mais exemplar da incapacidade dos diversos poderes ou classes dirigentes para colocarem à "cabeça dos tratados" o primado do direito de todos ao desenvolvimento.

Por esse mundo fora 1800 milhões de pessoas passaram a ser sinónimo de pobreza, reflectindo uma realidade brutal! Chegou, portanto, a hora de transformar todos os discursos em "soluções pragmáticas". Não podemos ficar indiferentes ou ignorar que, paulatinamente, uma pobreza irreversível ganha cada vez mais terreno.

Em Portugal também nos confrontamos, infelizmente, com uma das mais elevadas taxas de prevalência da pobreza da União Europeia (não incluindo os novos países da Europa Central e de Leste), ou seja, cerca de 15% da população, sobretudo idosos e mulheres têm imensa dificuldade em reverter essa situação. Por seu lado, o relatório sobre a situação social no mundo, elaborado pela associação internacional Social Watch, refere que um em cada cinco portugueses vive abaixo do limiar de pobreza! Eis, pois, a nossa obrigação moral "ilegalizar"a pobreza!

 

http://dn.sapo.pt/2005/10/06/opiniao/relancar_a_campanha_pobreza_zero.html