Conheci pessoalmente a Maria
Rosa há cerca de vinte anos, num jantar comemorativo do Dia da Mulher,
para o qual, com outras duas colegas da arte e ofício de escrita, foi
convidada de honra. Uma situação que a deixara atrapalhada, como pessoa
simples que era e que, com garra, graça e humor, resolvera através de
uma intervenção cheia de esperança no porvir.
Eu estava, finalmente, ao pé da inventora
de palavras que, logo então, passou a ser minha amiga, crítica e
conselheira. Amiga com quem me ri a bom rir, ao longo de momentos,
infelizmente tão breves, com os comentários enternecidos e/ou, cáusticos
que conservou até nos deixar! Misturados com os acepipes com que
presenteou os amigos até à hora da despedida, certamente na sua mente
bondosa desde a infância, na intenção de obsequiar quem amava, como
adiante referirei a propósito de um dia em que deu exemplo
multicultural, num acto inusitado para a época.
Eu estava, finalmente, ao pé da professora corajosa que, bastante jovem,
em plena ditadura, numa escola de meninos pobres, o Tejo por testemunha,
acreditara neles, fizera-os ouvir, dizer, sentir a música da língua,
desta bela Língua Portuguesa, nossa herança e legado, património maior
de uma comunidade que venceu o passado, tantas vezes difícil, e aguenta
uma globalização ainda sombria. Na expectativa de melhores dias.
Gente muito nova que a Maria Rosa preparou e dinamizou com o espírito de
pessoa habituada ao sofrimento humano que uma formação inicial como
enfermeira lhe dera. Crianças, tantas vezes pouco vestidas e pouco
alimentadas, nas quais acreditou como cidadãs, como inventoras de cores,
de sons, de traços desenhados como figuras e como palavras. Ela
alimentou-lhes repetidamente o corpo porque tinham direito à dignidade e
sempre a alma pela mesma razão. E assim se gerou e se deu à luz A
Criança e a Vida, monumento educativo celebrado em locais diversos
do Mundo.
Oriunda de um Alentejo sufocado na interioridade e no desprezo, tantas
vezes transformado em ódio do poder totalitário, região em cuja Mina de
S. Domingos tenho raízes, tratou os seus alunos que, como nos refere no
Prefácio dessa obra, “não tinham nada de comum com esses meninos
muito lavadinhos e penteados, habituais nos primeiros dias de aula e que
as mãezinhas nos entregam como se fossem de porcelana” como os
ciganos que, por vezes, foram vizinhos da própria infância.
Conta-nos Maria Rosa, em “Um Símbolo Aramaico” (in Não Quero Ser
Grande.), uma festa inesquecível que, aos doze anos, fez com um
grupo de pessoas de etnia cigana que lhe apareceu à porta da quinta:
acreditando nas virtudes das mesmas, fez-lhes uma açorda, verdadeiro
banquete que culminou com cantares e danças com que os novos amigos lhe
retribuíram a maravilhosa sopa de coentros que é parte das vivências
alentejanas.
Crente nas mesmas virtudes e no sentido da beleza e da fraternidade dos
pupilos, a então jovem professora (que, anos depois, foi “Rosa com
Laço”, como nos conta acerca dela própria no conjunto de narrativas
atrás citado) levou-os a essa obra-prima referida no quarto parágrafo,
única no ensino, na aprendizagem e na prática do Português. Construída
pelo desabrochar das potencialidades comunicacionais que tinham, numa
textualidade escorreita que chegou a ser posta em causa, pequeno país
que às vezes somos por dentro, por, imagine-se, especialistas da
instrução, da educação e das palavras!
Ainda ouvi tal ruído, convencido de sapiente, vencido pelo tempo que faz
a História e apaga os boatos, pelo testemunho dos autores do livro, pela
grandeza moral da Maria Rosa.
A Criança e a Vida é o fruto inesquecível da vontade, do saber,
do sentido de inovação de uma professora-menina e dos pequenos que foram
exemplo de que o labor de um(a) educador(a) deve ser profícuo para além
do lugar de desempenho, para além das situações sociais das crianças.
Não sendo assim, Maria Rosa, não mereceria a pena ter havido e haver
professores como tu, promotores de crescimento das pessoas e das
sociedades. Com respeito intercontinental por uma obra plural como a
tua, amante da Escola, das Letras e das Artes! Reconhecida por entidades
várias, entre as quais a Câmara Municipal de Almada, terra de muitos dos
teus dias, que te atribuiu a Medalha de Ouro da Cidade, e o Dr. Jorge
Sampaio, então na qualidade de Presidente da República, que te agraciou,
a título póstumo, com a Ordem da Liberdade com Palma. |