Há cerca de um ano comentava,
neste mesmo espaço, as medidas preconizadas para a educação pelo
programa do governo recém-eleito. Numa toada optimista, eventualmente
ingénua, reflectia sobre alguns aspectos positivos desse programa.
Nessa altura estava
longe de pensar que a educação ou melhor os professores iam estar na
berlinda do debate político promovido pela ministra, coadjuvada pela
imprensa conservadora.
Regular e
metodicamente, a principal responsável pela educação tem lançado na
praça pública os temas que segundo o seu ponto de vista permitiriam
compreender os principais padecimentos do sistema educativo. São eles:
"O absentismo dos professores"; os seus "horários diminutos" por
comparação com os outros trabalhadores; "os privilégios e regalias dos
professores" e finalmente, para disciplinar todas estas imunidades, uma
avaliação a ser feita pelos pais dos alunos.
O diagnóstico é de
fácil leitura: os professores são os principais responsáveis pelas
patologias do ensino em Portugal.
A forma simples e
populista do veredicto evita que se aprofunde a reflexão. A exibição de
um culpado em praça pública foi sempre uma fórmula, que historicamente
teve um êxito assegurado. Mas o simplismo, a demagogia e a gritaria
estiveram sempre nos antípodas do rigor, da seriedade, da reflexão e da
exigência que devem merecer as questões da educação.
Se o objectivo do
debate fosse o fomento de uma escola pública de qualidade, que tivesse
preocupações no combate ao insucesso escolar e ao abandono precoce da
escola, que velasse pela proficiência cognitiva dos alunos e de igual
modo procedesse a uma avaliação rigorosa do desempenho dos professores,
este não seria certamente nem o tom, nem o modo, nem a forma, nem o
conteúdo deste pretenso debate público.
Um dos aspectos mais
curiosos deste debate tem sido o eco e a leitura feita pelos
editorialistas/directores do Expresso e do Público que ao
mesmo tempo que deificam as declarações da ministra vão refazendo o seu
combate à escola pública como espaço de esbanjamento do Estado Social,
dando novos conselhos e apontando o alvo para dois novos objectivos: a
gestão democrática das escolas: - "A escola para ser eficaz é um sistema
não democrático" e o fim da escola pública através do "cheque educação",
que permitiria a "igualdade entre ricos e pobres". Esta nova teoria que
preconizam é certamente fruto de um percurso político singular que
permitiu, àqueles jornalistas fazer directamente um upgrade do
pedigree ideológico do estalinismo para o neo-liberalismo, sem ponta
de pudor.
Se os desígnios da
actual equipa ministerial fossem implementar uma cultura de exigência na
escola pública que não pactuasse com as situações de laxismo (que
existem), se fossem promover uma verdadeira e rigorosa avaliação do
desempenho dos professores e dos seus processos de trabalho, se se
preocupassem com a formação contínua dos docentes de forma a melhorar as
suas competências pedagógicas e didácticas em vez da insistência num
modelo de formação "pronto a consumir" e de baixa qualidade proteica,
estaríamos certamente de acordo.
No entanto por detrás
de um discurso pretensamente moralizador há uma espécie de "currículo
oculto" que progressivamente se começa a desvendar. Vejamos então cada
uma das suas propostas de "moralização" da actividade dos professores.
Comecemos por analisar
a forma centralista e uniforme como se tentam combater os "furos dos
alunos" pelas "aulas de substituição".
Esta proposta obedece
a uma lógica taylorista, proibindo, tal como numa cadeia de montagem, a
existência de tempos mortos. Assim sendo, não se aceitam momentos sem
controlo geridos de forma autónoma por professores e alunos.
No plano teórico e
ideológico pretende-se legitimar uma coerência economicista que deve
seguir o modelo da fábrica, onde não se pode perder um minuto. A
obsessão pelo cronómetro impõe o controle de todos os tempos e espaços
de professores e alunos. Esta é a fórmula de conformação da escola ao
mundo real. O ensino deve progressivamente deixar de ser um direito para
se transformar numa mercadoria.
Por sua vez o modelo
de avaliação que se propõe não pretende melhorar o desempenho dos
professores porque se assim fosse as variáveis a tomar em consideração
teriam que integrar uma maior exigência em relação à formação, passando
pelo aprofundamento da sua diferenciação científica e pedagógica.
Veja-se que os graus académicos de mestre, doutor, ou outras
pós-graduações não fazem parte dos pré-requisitos para a obtenção do
grau de "Professor Titular". Pelo contrário, o que se pretende com esta
avaliação é, por um lado, que os professores fiquem reféns da minoria
dos pais que participam na actividade da escola e por outro lado,
pretende-se igualmente retardar e impedir o acesso aos níveis mais altos
da carreira docente.
Há ainda outro
desígnio nesta ofensiva do actual ministério, manifestamente apoiado
pela imprensa conservadora e pela extrema-direita parlamentar. Trata-se
de um nítido ajuste de contas com toda uma geração de professores que
foi responsável e suportou o alargamento do ensino àqueles que durante
décadas foram condenados a não terem esse direito. É necessário
domesticar e espiar as culpas dos que se empenharam civicamente na
implementação do ensino público e gratuito para todos, num país que em
matéria de alfabetização tinha quase um século de atraso em relação às
regiões mais desenvolvido da Europa.
Mas se o 25 de Abril foi o "ensaio geral para
construir um futuro melhor", a vivência de uma sociedade democrática não
pode prescindir do aperfeiçoamento da escola pública, numa perspectiva
político-pedagógica que respeite a diversidade cultural e social das
crianças e dos jovens, como um dos contributos fundamentais para ensaiar
"novas formas sociais de futuro". |