O meu gosto por assuntos
relacionados com as línguas leva-me sempre a escrever uma crónica sobre
este assunto. E não me faltam motivos de inspiração. Desta vez não
resisto a comentar uma notícia publicada no semanário Expresso de 4 de
Fevereiro, com o seguinte título na primeira página: “Holanda proíbe
línguas estrangeiras”.
Folheando rapidamente o jornal, para ver se era verdade o que o
título anunciava, li em sobressalto a notícia. Não era verdade, mas não
era melhor. O que de facto se noticiava era, e cito: “A ministra
holandesa de Estrangeiros e Integração, Rita Verdonk, quer que se fale
exclusivamente holandês na rua.
O uso público de línguas estrangeiras - na prática, sobretudo o árabe
e o turco - seria desaconselhável, para a integração das comunidades de
imigrantes neste país. A proposta da ministra não será transformada em
lei, mas recomenda-se um «código de comportamento» nacional que proíbe o
uso de idiomas estrangeiros fora de casa.”
Naturalmente que houve reacções contra esta medida, tanto dos
partidos da oposição como da coligação que sustenta o governo. E
compreende-se. Como pode ser regulado, desta maneira, um comportamento
linguístico que sendo social é também pessoal e único?
Certamente que todos sabemos a língua que temos de usar nos espaços
públicos de um país estrangeiro, se quisermos ser entendidos. Pedir uma
água ou outra bebida, em português, num café no centro de qualquer
cidade europeia, não deve ser ideia que ocorra a ninguém. Mas falar em
árabe, em português ou em estónio, entre amigos, no mesmo café é o
comportamento natural e adequado de quem usa a sua língua de pertença
para conviver com os seus.
São hoje consensuais as posições em relação à importância das línguas
vivas, nomeadamente a partir de estudos promovidos pelo Conselho da
Europa, que atribuem às línguas nacionais e estrangeiras novos espaços e
diferentes funções. A mobilidade assim o exige, tanto no mundo do
turismo como no dos movimentos migratórios de índole académica ou
laboral, sendo necessárias novas e mais complexas competências
linguísticas aos cidadãos na Europa.
O artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos
considera vários direitos pessoais inalienáveis e exercíveis em qualquer
situação, entre eles o direito de falar a sua própria língua em
privado e em público. ´
Precisamos de saber viver mas também de trabalhar com os outros, no
nosso país ou no estrangeiro. E, em cada circunstância, usaremos as
línguas que sabemos para obtermos o que desejamos. Não precisamos que
ninguém regulamente e policie o uso das nossas línguas.
E, a este propósito, não resisto a citar, com uma certa nostalgia,
George Steiner, quando recorda, no seu livro ERRATA: Revisões de uma
vida (1997), o modo como as línguas eram usadas em sua casa, e como
isso contribuiu para a sua competência linguística. Diz Steiner: “A
minha mãe, muito vienense, tinha o hábito de começar uma frase numa
língua e acabá-la noutra. Parecia não se aperceber das espantosas
modulações e variações de intenção que isso produzia.
As línguas pairavam pela casa. Inglês, francês e alemão na sala de
jantar e de visitas. O alemão (…) da minha ama no meu quarto; o húngaro
na cozinha onde, por desígnio superior, uma sucessão de senhoras
magiares (lembro-me delas volumosas e coléricas) preparavam os pratos
preferidos do meu pai.
Não me recordo de nenhuma língua primeira ou original. (…). Seja no
uso quotidiano ou na aritmética mental, na compreensão ou dicção de
textos, o francês, o inglês e o alemão sempre me foram igualmente
“nativos”. (…) Tenho vivido de modo trilingue.
Qualquer outra língua em que consiga ler ou fazer-me compreender foi
acrescentada posteriormente, pelo processo comum de aquisição.”
A grande preocupação que os países europeus têm hoje em relação à
integração dos seus imigrantes é legítima e só pode ser apoiada. Mas as
medidas adequadas não são a que a notícia refere. Tratando-se de
crianças e jovens, é na escola que os grandes investimentos devem ser
feitos. Ensinar a língua do país é fundamental mas não é suficiente.
É preciso garantir o prosseguimento de estudos que abram as portas do
mercado de trabalho e criar condições de partilha e uso das diferentes
línguas e culturas para que todos se sintam em casa: uns porque lá
nasceram e outros porque escolheram lá viver.
Na notícia que venho comentando é também dada voz a um jovem
marroquino que diz: “ Nós falamos holandês porque nascemos na Holanda e
foi aqui que andámos na escola. (…) O problema é que, mesmo falando a
língua do país, não conseguimos trabalho.”
A pergunta que agora faço é a seguinte: E viver, conseguem? |