... a defesa das ideias


• 22-05-2006 •
Educação
por Luís Souta
(Professor Coordenador da ESE de Setúbal)


 

Bolonha põe e dispõe
 

«Nós somos a Nova-Brigada-dos-Coronéis-de-Lápis-Azul perfilada em novos quartéis aguçada na ponta que mais risca esses papéis escritos pelos contra a Lei dos bacharéis» (Fausto in A Ópera do Cantor Maldito,2003)
 

O irreversível caminho para a extinção dos bacharelatos foi por mim analisado num artigo anterior (2001). Houve um momento em que eles pareciam resistir, nem que ficassem na versão anglo-saxónica de bachelor: para aí apontavam, explicitamente, os relatórios de três coordenadores, (do "grupo dos 23" nomeados pela então ministra do MCIES), das áreas científicas de «Ciências Humanas», «Ciências Políticas e Relações Internacionais» e «Formação de Professores». Outros seis, mais preocupados com a língua lusa, defendiam o bacharelato como grau para o 1º ciclo de estudos. Os adeptos de uma duração mais longa, entre 4 e 5 anos, optavam pela licenciatura – Desporto, Direito, Enfermagem – enquanto que para os cursos de Medicina propunham o grau de mestre. O balanço desse processo mostrava, nas palavras de João Vasconcelos Costa (2005), que Bolonha, em Portugal, era «a grande confusão», em especial, no referente à duração e articulação dos dois primeiros ciclos.
 
Apesar de a opção pelos três anos ser já então maioritária, a segunda revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo (Agosto de 2005) enterrou de vez o bacharelato. Como dizia o 'céptico' Santana Castilho (2002), a «Declaração de Bolonha está a conduzir-nos para uma acéfala uniformização de currículos e graus académicos». Mas os seguidores do 'espírito de Bolonha' têm procurado convencer-nos de que o 'paradigma' da formação mudou. Não, o que se alterou foi apenas a ‘medida’: em vez de horas lectivas e anos escolares passa agora a falar-se em ECTS (European Credit Transfer System). O resto é ideologia, retórica, muita crença e alguma esperança na generalização de certos dispositivos de trabalho (pretensamente activos e autónomos). O tempo de maturação é uma variável fundamental nos processos de aprendizagem. Mas Bolonha vai em sentido contrário: privilegiam-se as formações curtas (mas de banda larga!), cessam as disciplinas anuais, a estrutura modular impõe-se, reduz-se o ensino presencial, incentiva-se o e-learning («não precisa de ir todos os dias à faculdade, recorra ao tele-estudo» será o slogan para cativar candidatos num futuro próximo). São os próprios 'convictos de Bolonha' a reconhecer o óbvio: «Se tivermos formações mais curtas, significa menor quantidade de conhecimentos. [O]s alunos possuirão menos conhecimentos, mas terão muito mais capacidade de usá-los para fazer frente à vida real.» (Pedro Lourtie, pontosnosii, nº 5 Maio 2006, p. 11). Como é que se pode ser mais competente com menos conhecimentos? Para os que se afirmam tão preocupados com a empregabilidade e a competitividade, o ensino superior não vai prestar um bom serviço à economia, pois o que dará aos empregadores é “gato por lebre”. A 'agenda escondida' de Bolonha é a concretização do pensamento neo-liberal, traduzido na redução de custos orçamentais com o ensino superior (nomeadamente através do pagamento dos estudos de um 2º ciclo que tende a generalizar-se), bem sintetizada na expressão de Rui Namorado Rosa (2003): «o termo utilizado para descrever o processo de Bolonha seria o cenário ‘business as usual’». Por arrasto, a desqualificação de diplomas e o esvaziamento do significados dos graus (licenciatura e mestrado, em particular).
 
Bolonha foi um assunto que entrou progressivamente nas nossas agendas. Temos vindo a assistir «a uma espécie de imposição, silenciosa mas inexorável, sobre o conjunto do ensino superior, da visão governamental das chamadas ‘directivas de Bolonha’» (Fernando Rosas, 2004). Os debates e as publicações proliferam ainda que, até agora, focados no nível 'macro'. Convictos e cépticos vão esgrimindo argumentos, clarificando posições. Mas até 2010 há que erguer o «espaço europeu do ensino superior». Chegou finalmente a hora de passar ao nível 'meso': e o garrote dos prazos, de repente, obriga a correrias na revisão curricular dos planos de estudo de todos os cursos das escolas universitárias e politécnicas. Uns fazem-no de forma mais (ou menos) participada, outros deixam a tarefa a nichos directivos e a lideranças pedagógicas militantes (infelizmente, nesta matéria, ainda não se pode recorrer ao tão cultivado manual de 'boas práticas'). Uma certeza: quem não 'adequa' ou 'reestrutura'… não sobrevive (ou seja, não é financiado).