«Nós somos a
Nova-Brigada-dos-Coronéis-de-Lápis-Azul perfilada em novos quartéis
aguçada na ponta que mais risca esses papéis escritos pelos contra a Lei
dos bacharéis» (Fausto in A Ópera do Cantor Maldito,2003)
O irreversível caminho para a extinção dos bacharelatos foi por mim
analisado num artigo anterior (2001). Houve um momento em que eles
pareciam resistir, nem que ficassem na versão anglo-saxónica de bachelor:
para aí apontavam, explicitamente, os relatórios de três coordenadores,
(do "grupo dos 23" nomeados pela então ministra do MCIES), das áreas
científicas de «Ciências Humanas», «Ciências Políticas e Relações
Internacionais» e «Formação de Professores». Outros seis, mais
preocupados com a língua lusa, defendiam o bacharelato como grau para o
1º ciclo de estudos. Os adeptos de uma duração mais longa, entre 4 e 5
anos, optavam pela licenciatura – Desporto, Direito, Enfermagem –
enquanto que para os cursos de Medicina propunham o grau de mestre. O
balanço desse processo mostrava, nas palavras de João Vasconcelos Costa
(2005), que Bolonha, em Portugal, era «a grande confusão», em especial,
no referente à duração e articulação dos dois primeiros ciclos.
Apesar de a opção pelos três anos ser já então maioritária, a segunda
revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo (Agosto de 2005) enterrou
de vez o bacharelato. Como dizia o 'céptico' Santana Castilho (2002), a
«Declaração de Bolonha está a conduzir-nos para uma acéfala
uniformização de currículos e graus académicos». Mas os seguidores do
'espírito de Bolonha' têm procurado convencer-nos de que o 'paradigma'
da formação mudou. Não, o que se alterou foi apenas a ‘medida’: em vez
de horas lectivas e anos escolares passa agora a falar-se em ECTS (European
Credit Transfer System). O resto é ideologia, retórica, muita crença e
alguma esperança na generalização de certos dispositivos de trabalho
(pretensamente activos e autónomos). O tempo de maturação é uma variável
fundamental nos processos de aprendizagem. Mas Bolonha vai em sentido
contrário: privilegiam-se as formações curtas (mas de banda larga!),
cessam as disciplinas anuais, a estrutura modular impõe-se, reduz-se o
ensino presencial, incentiva-se o e-learning («não precisa de ir todos
os dias à faculdade, recorra ao tele-estudo» será o slogan para cativar
candidatos num futuro próximo). São os próprios 'convictos de Bolonha' a
reconhecer o óbvio: «Se tivermos formações mais curtas, significa menor
quantidade de conhecimentos. [O]s alunos possuirão menos conhecimentos,
mas terão muito mais capacidade de usá-los para fazer frente à vida
real.» (Pedro Lourtie, pontosnosii, nº 5 Maio 2006, p. 11). Como é que
se pode ser mais competente com menos conhecimentos? Para os que se
afirmam tão preocupados com a empregabilidade e a competitividade, o
ensino superior não vai prestar um bom serviço à economia, pois o que
dará aos empregadores é “gato por lebre”. A 'agenda escondida' de
Bolonha é a concretização do pensamento neo-liberal, traduzido na
redução de custos orçamentais com o ensino superior (nomeadamente
através do pagamento dos estudos de um 2º ciclo que tende a
generalizar-se), bem sintetizada na expressão de Rui Namorado Rosa
(2003): «o termo utilizado para descrever o processo de Bolonha seria o
cenário ‘business as usual’». Por arrasto, a desqualificação de diplomas
e o esvaziamento do significados dos graus (licenciatura e mestrado, em
particular).
Bolonha foi um assunto que entrou progressivamente nas nossas agendas.
Temos vindo a assistir «a uma espécie de imposição, silenciosa mas
inexorável, sobre o conjunto do ensino superior, da visão governamental
das chamadas ‘directivas de Bolonha’» (Fernando Rosas, 2004). Os debates
e as publicações proliferam ainda que, até agora, focados no nível
'macro'. Convictos e cépticos vão esgrimindo argumentos, clarificando
posições. Mas até 2010 há que erguer o «espaço europeu do ensino
superior». Chegou finalmente a hora de passar ao nível 'meso': e o
garrote dos prazos, de repente, obriga a correrias na revisão curricular
dos planos de estudo de todos os cursos das escolas universitárias e
politécnicas. Uns fazem-no de forma mais (ou menos) participada, outros
deixam a tarefa a nichos directivos e a lideranças pedagógicas
militantes (infelizmente, nesta matéria, ainda não se pode recorrer ao
tão cultivado manual de 'boas práticas'). Uma certeza: quem não 'adequa'
ou 'reestrutura'… não sobrevive (ou seja, não é financiado). |