... a defesa das ideias


23-03-2006 •
Educação
por Ana Pires Sequeira
(Docente do Departamento de Línguas da ESE)


 

O Português língua não materna e o Despacho Normativo nº7/ 2006

 

Com data de 6 de Fevereiro último surge o Despacho Normativo nº7/2006, emanado do ME que, tal como pode ler-se no seu objecto e âmbito “…estabelece, no âmbito da organização e gestão do currículo nacional, princípios de actuação e normas orientadoras para a implementação, acompanhamento e avaliação das actividades curriculares e extracurriculares específicas a desenvolver pelas escolas e agrupamentos de escolas no domínio do ensino da língua portuguesa como língua não materna.”

 

Os dados conhecidos em Portugal mostram-nos a mancha da diversidade linguística da população escolar, a sua distribuição por ciclos de ensino, por distrito e, ainda, por país de origem dos jovens aprendizes inseridos no sistema educativo público português. Segundo dados recolhidos no ano lectivo de 2004/2005 e publicados em relatório da Rede Eurydice, existem nas escolas públicas portuguesas, alunos de cerca de 120 nacionalidades. Sabe-se que a distribuição destes alunos muito difere de distrito para distrito e está, obviamente, relacionada com os movimentos migratórios provenientes da procura e da oferta de trabalho.

Nos últimos anos e com especial enfoque na última década, a diversidade linguística das escolas portuguesas aliada, como o não poderia deixar de ser, à heterogeneidade sociocultural tem sido objecto de estudos e de produção de materiais de ensino do português língua não materna.

A produção de materiais tem sido, em muitos casos, fruto da iniciativa de docentes confrontados, no seu dia-a-dia, com a necessidade de encontrar respostas facilitadoras da aprendizagem da Língua Portuguesa, veículo de todos os saberes escolares, face ao mosaico linguístico das suas escolas e, ainda, com a necessidade de encontrar respostas promotoras de aprendizagens interculturais. Estas iniciativas pontuais tiveram como grande impulsionador o Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural não só ao nível de formação de professores como, também, no apoio a projectos de escola e à produção de diversos materiais.

Também o DEB (Departamento de Educação Básica) do ME criou grupos de trabalho dedicados ao estudo e à produção de materiais directamente relacionados com o português língua segunda. Com a última (re)estruturação ministerial cabe à Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular dar continuidade ao trabalho já iniciado, no DEB. Também, o ACIME (Alto Comissariado para a Integração das Minorias Étnicas) é outra das estruturas a incentivar e a produzir materiais subordinados à mesma temática.

Entidades impulsionadoras e produtoras de materiais, como se pode verificar, têm sido uma realidade presente, embora relativamente recente. Uma realidade contrastante com os programas oficiais, nomeadamente o de Língua Portuguesa para o 1º ciclo do Ensino Básico, que tem como pressuposto ser o português a língua materna de todos os utilizadores do sistema.

Face a este paradoxo e perante a já considerável produção de materiais e de estudos referentes à temática, surge o Despacho Normativo nº7/ 2006.

Mas, centrando-nos no despacho, faz-se referência ao Decreto-Lei nº6/2001, de 18 de Janeiro, “… que comete às escolas e agrupamentos de escolas a responsabilidade em proporcionar actividades curriculares específicas para a aprendizagem da língua portuguesa como segunda língua aos alunos do ensino básico cuja língua materna não é o português”. Pergunta-se: que foi feito para operacionalizar o mencionado no decreto?

O Artigo 2º do Despacho 7/2006, agora publicado, indica os grupos de nível de proficiência linguística, criados com base no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Pergunta-se, de novo: que divulgação efectuou o ME junto dos professores dos 3 ciclos do Ensino Básico do documento referido? Que materiais disponibilizou às escolas e aos agrupamentos sobre estes grupos de nível de proficiência linguística?

Não querendo assumir o papel de “velho do Restelo” congratulo-me com a legislação produzida lembrando que não se legisla no abstracto, mas sobre uma questão específica… e, não podendo deixar de alertar para o muito ainda a fazer… tarefas a implementar urgentemente… recordo, por exemplo, a divulgação e sensibilização a documentos já existentes como é o caso do Portfolio Europeu de Línguas, já na versão portuguesa, e a formação inicial e contínua de professores numa área, até à data, pouco ou nada trabalhada: Português língua não materna.