Era uma manhã de Dezembro,
e o frio estalava as folhas à minha passagem,o Sr. Figueiredo lá estava,
à porta da sua casa, rádio na mão, cigarro no canto da boca.
A Dona Antónia estendia a roupa mais à frente, preocupada comigo por
não levar as orelhas tapadas
- Ó Dona Antónia, não se preocupe que elas até são pequenas
e continuei a minha caminhada pela ladeira abaixo, desejoso de ver a
Maria novamente, aquele cabelo loiro brilhante e o seu cheiro,
- Que bem que cheiras Maria!
disse-lhe eu uma vez e a Senhora Professora constantemente pedia-me
para não me sentar ao lado da Maria, dizia que eu ficava…não me lembro
da palavra,
mas a minha mãe, ao contar-lhe
- Ficas aluado, é o que é, andas sempre com a cabeça na lua!
e eu ali fiquei, na cozinha, a pensar na Maria e nos seus cabelos
loiros e no seu cheiro a caramelos do café do Ti Zé.
O meu pai bem queria que eu fosse à horta com ele, mas a horta não
cheira tão bem como a Maria,
a não ser as laranjeiras, essas eram tão bonitas e cheirosas, bem que
eu gostava de lá estar, enquanto as cabras passeavam no monte e eu
debaixo da laranjeira, encostado ao lombo do cão,
ele bem que dormia e era tão quentinho que eu esquecia-me da laranjeira
e pensava na Maria
- Quim, despacha-te, senão chegas tarde à escola
a Dona Antónia lá estava, sentada à porta a ver o mundo passar, à
espera do carteiro e da carta do Zé Pardal,
esse foi para França para a apanha da maçã, perdeu-se de amores por uma
loira e por lá ficou…como eu e a Maria.
Lá fui caminhando, acelerei o passo que a Dona Antónia tinha razão, a
escola ainda fica longe, para lá daquele monte,
e eu tenho pressa, que o António está à minha espera para me mostrar o
pião novo que o pai trouxe de Lisboa,
o pai do António tem um carro e um fim-de-semana fomos passear aos
Montes e vimos a aldeia lá de cima,
tão bonita com os telhados cor de barro e as paredes cinzentas de
pedra,
o António também tem uma televisão e às vezes, quando a minha mãe deixa
- Queres ir ver televisão à casa do António, vai, mas volta a tempo de
ajudares o teu pai na horta
e eu lá vou, contente por ver aquelas pessoas, doutros lugares e
mundos, e ver aquele senhor,
o que o meu pai não gosta nada quando ele aparece na televisão do café
do Ti Zé,
a falar dos dinheiros que não lhe chegam, e dos senhores ministros,
acho que é assim, e o senhor falava também duma coisa para as escolas,
um…espera, deixa ver, um choque ou coisa parecida, tecnológico
- E todas as escolas vão ter computadores e ligação à Internet.
dizia o senhor, muito cheio, parecia-me uma coisa boa, apesar de não
ter percebido quem era a Internet,
mas o António, que tem um computador, já me deixou uma vez brincar com
ele, isso é que eu gostava, ver aquele boneco a saltar e apanhar umas
coisas verdes e amarelas,
mas eu não percebi, a minha escola não tem nada disso, claro que a
Senhora Professora disse-nos que íamos ter a tal da Internet lá, um dia,
e eu espero que ela seja gira, como a Maria,
mas que primeiro era preciso tapar os buracos do telhado, diz a Senhora
Professora,
- Meninos, passem para aquele lado da sala, que aqui ainda se molham
e eu pensei, será que a Internet tem carro para me levar à escola
- É que de manhã está sempre um frio de rachar no Monte. |