... a defesa das ideias


• 25-01-2006 •
Educação
por João Pires
(Professor Assistente do Departamento de Artes Plásticas da ESE)


 

Plano Tecnológico


Era uma manhã de Dezembro,
e o frio estalava as folhas à minha passagem,o Sr. Figueiredo lá estava, à porta da sua casa, rádio na mão, cigarro no canto da boca.

A Dona Antónia estendia a roupa mais à frente, preocupada comigo por não levar as orelhas tapadas

- Ó Dona Antónia, não se preocupe que elas até são pequenas

e continuei a minha caminhada pela ladeira abaixo, desejoso de ver a Maria novamente, aquele cabelo loiro brilhante e o seu cheiro,

- Que bem que cheiras Maria!

disse-lhe eu uma vez e a Senhora Professora constantemente pedia-me para não me sentar ao lado da Maria, dizia que eu ficava…não me lembro da palavra,

mas a minha mãe, ao contar-lhe

- Ficas aluado, é o que é, andas sempre com a cabeça na lua!

e eu ali fiquei, na cozinha, a pensar na Maria e nos seus cabelos loiros e no seu cheiro a caramelos do café do Ti Zé.

O meu pai bem queria que eu fosse à horta com ele, mas a horta não cheira tão bem como a Maria,

a não ser as laranjeiras, essas eram tão bonitas e cheirosas, bem que eu gostava de lá estar, enquanto as cabras passeavam no monte e eu debaixo da laranjeira, encostado ao lombo do cão,

ele bem que dormia e era tão quentinho que eu esquecia-me da laranjeira e pensava na Maria

- Quim, despacha-te, senão chegas tarde à escola

a Dona Antónia lá estava, sentada à porta a ver o mundo passar, à espera do carteiro e da carta do Zé Pardal,

esse foi para França para a apanha da maçã, perdeu-se de amores por uma loira e por lá ficou…como eu e a Maria.

Lá fui caminhando, acelerei o passo que a Dona Antónia tinha razão, a escola ainda fica longe, para lá daquele monte,

e eu tenho pressa, que o António está à minha espera para me mostrar o pião novo que o pai trouxe de Lisboa,

o pai do António tem um carro e um fim-de-semana fomos passear aos Montes e vimos a aldeia lá de cima,

tão bonita com os telhados cor de barro e as paredes cinzentas de pedra,

o António também tem uma televisão e às vezes, quando a minha mãe deixa

- Queres ir ver televisão à casa do António, vai, mas volta a tempo de ajudares o teu pai na horta

e eu lá vou, contente por ver aquelas pessoas, doutros lugares e mundos, e ver aquele senhor,

o que o meu pai não gosta nada quando ele aparece na televisão do café do Ti Zé,

a falar dos dinheiros que não lhe chegam, e dos senhores ministros, acho que é assim, e o senhor falava também duma coisa para as escolas, um…espera, deixa ver, um choque ou coisa parecida, tecnológico

- E todas as escolas vão ter computadores e ligação à Internet.

dizia o senhor, muito cheio, parecia-me uma coisa boa, apesar de não ter percebido quem era a Internet,

mas o António, que tem um computador, já me deixou uma vez brincar com ele, isso é que eu gostava, ver aquele boneco a saltar e apanhar umas coisas verdes e amarelas,

mas eu não percebi, a minha escola não tem nada disso, claro que a Senhora Professora disse-nos que íamos ter a tal da Internet lá, um dia, e eu espero que ela seja gira, como a Maria,

mas que primeiro era preciso tapar os buracos do telhado, diz a Senhora Professora,

- Meninos, passem para aquele lado da sala, que aqui ainda se molham

e eu pensei, será que a Internet tem carro para me levar à escola

- É que de manhã está sempre um frio de rachar no Monte.