Neste mês fomos apanhados de
surpresa pela notícia de que o oceano estava prestes a invadir o litoral de
São João de Caparica, na freguesia da Costa de Caparica (Almada). Uns
culparam o aquecimento global e a consequente elevação do nível médio das
águas do mar, outros a falta de recarga de sedimentos do rio Tejo, devido à
construção das barragens, outros ainda lembraram que a ocupação do nosso
litoral não pode contrariar a tendência natural: a criação de uma espécie de
baía na zona litoral da Costa de Caparica.
Tudo verdade, mas omitiu-se uma coisa importante. É que, desde meados dos
anos 80, uma empresa de construção, proprietária da quase totalidade dos
terrenos entre a Cova do Vapor e São João de Caparica, vedou as suas
propriedades, incluindo caminhos públicos com séculos – tudo ilegal mas tudo
consentido -, destruiu grande parte das dunas já quase mortas (vários
estudos o referiam) – com autorização, suponho - para construir parques de
estacionamento, e, mais tarde, fez grandes movimentações de terras na
própria praia (?).
Ora dunas e praias são organicamente a mesma coisa. Para termos praias
temos de ter dunas. Se destruímos as dunas destruímos as praias, se
destruímos as praias destruímos as dunas. É de admirar que as dunas tenham
sido quase submersas, depois de “comido” o areal?
Agora vamos a custos. Em meados dos anos 90 o preço de uma intervenção na
praia para aumentar o areal ficava-se por um milhão de euros (200 mil contos
em moeda antiga). Agora para resolver a situação tem que se gastar 10 a 15
vezes mais. E, ainda por cima, além de se tratar de uma intervenção cara e
difícil, os resultados são relativamente imprevisíveis.
Quem gere e quem paga? Ninguém ou quase!
Mas é dinheiro bem gasto. Se não se fizer nada lá se vão os parques de
campismo, as instalações do Inatel e até as urbanizações que ali existem,
curiosamente construídas pela mesma empresa. Não nos esqueçamos que, por
detrás das dunas grande parte do território está abaixo do nível médio das
águas do mar. E quem é que paga? O Estado! O Estado Central ou a Autarquia?
O Estado Central é claro. E quem é que fez a asneira? Todos! Mas atenção:
uns fazem as asneiras mas quem paga é a colectividade. Política de
Estabilidade e Crescimento, contenção, racionalização? Onde é que está tudo
isso?
Mas se calhar ninguém tem a culpa. É que, nestas coisas do Ordenamento do
Território, a realidade é muito complexa. São muitos organismos a gerir o
mesmo território, a maior parte das vezes com interesses contraditórios. À
Câmara de Almada interessa que aquela área seja turística. À Administração
do Porto de Lisboa interessa-lhe alargar as instalações da Trafaria, porque
provavelmente o seu sonho é recuperar o antigo estudo da Harrys (dos idos
60) que previa a pura e simples mudança do porto de Lisboa para a área da
Trafaria até à Cova do Vapor prolongando-a até quase ao Bugio (antigamente
podia-se ir até ao Bugio a pé na baixa-mar). E do Instituto da Conservação
da Natureza? Quais são as suas responsabilidades? Aqui prefiro não dizer
mais do que isto: se não fosse o ICN já nem existia a Costa de Caparica, nem
matas, nem praias, nem dunas. Esta foi uma batalha perdida mas não se pode
pedir mais a uma instituição retalhada, dividida e pressionada por todos os
lados para ceder às pressões do costume. Na minha opinião o ICN já devia ter
recebido há muito tempo a Torre e Espada, de Valor, Lealdade e Mérito.
E os cidadãos? Vão fazendo o que podem com a educação territorial que
têm, e que é das melhores da Europa – embora esteja agora ameaçada com a
reforma do ensino básico e secundário. E as leis? Na altura não havia leis
que permitissem aos cidadãos intervir eficazmente no território. Se na
altura existisse a Lei da Acção Popular, da qual o Vereador da Câmara de
Lisboa e ilustre cidadão Sá Fernandes foi o grande impulsionador, teríamos
tido o túnel do Marquês em São João de Caparica e talvez ainda tivéssemos
conseguido defender a praia na Costa de Caparica.
Praias e dunas vítimas da descoordenação territorial. É o termo técnico
correcto. Porque a descoordenação fragiliza a defesa dos interesses
colectivos. E sabem que mais? Nem sempre é assim, a maior parte das vezes
não é. E até nem é das situações mais escandalosas. Vendo bem é uma
bagatela: há muito pior. O interesse público, esse? Aqui morreu!!
A poesia sintetiza sempre bem: “Malhas que o império tece! // Jaz
morto e apodrece // O menino de sua mãe”
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