“Setúbal é das cidades que mais tem
para contar e da qual menos se conta”.
Assim se referia João Bénard da Costa à cidade em que vivemos aquando da
celebração do último 10 de Junho e com esta poética frase punha voluntária
ou involuntariamente, o dedo numa das mais óbvias lacunas dos programas e
currículos: Ausência ou quase ausência, da história local dos percursos
escolares.
A reflexão sobre a necessidade de inclusão do estudo da história de cada
espaço, de cada território, em que se inscreve a vida de cada aluno enquanto
aprendiz de cidadão, impõe-se-nos assim de forma assertiva, não deixando
margem para qualquer dúvida.
Vivemos hoje num mundo globalizado, que vive ao ritmo vibrante do
satélite, do computador, da mercadoria chegado dos confins do mundo.
Esta sociedade que somos, este oceano de informação que possuímos,
relativiza e menoriza a história pretendendo-se que ela seja servida, sem o
nervo fundamental que lhe dá sentido, ou seja, sem o sal da memória
colectiva, a oficina onde a humanidade se abastece de referências, de
raízes, de origens, de identidades e experiências.
E se o que atrás foi dito é verdadeiro relativamente à História no seu
conjunto, é-o ainda mais, no que concerne à história local, porque é aqui
que os homens e mulheres vão descodificar o seu presente, quer ele seja uma
realidade urbana e cosmopolita, quer ele seja uma vivência de território
interior, citadino ou rural.
Recuperar as fronteiras geo-políticas, sociais e económicas dos
diferentes viveres locais, como foram, no que se transformaram e no que
poderão vir a ser, é tarefa só possível de concretizar, através da inclusão
sistemática e sistémica no universo das disciplinas onde se integram as
ciências sociais, e maxime a História.
Para concretizar uma nova política de formação em relação à História será
necessário uma acção conjunta de vários actores sociais e institucionais.
Cabe referir, em primeiro lugar, a responsabilidade das universidades no
fomento da formação avançada na área da história regional e local. Urge
incentivar os jovens investigadores para que a escolha de temas da história,
do património e das culturas locais, passem a fazer parte das opções na
elaboração das suas teses de mestrado e doutoramento, permitindo assim que
os professores possam ter disponíveis um conjunto de saberes científicos
indispensáveis.
O poder autárquico tem também múltiplas responsabilidades nesta área, às
quais não deverá fugir. Desde logo na construção e preservação de arquivos
municipais que deverão passar a ter um lugar central na concretização de
políticas culturais com preocupação na defesa e salvaguarda dos valores
histórico-culturais das comunidades locais. Uma linha editorial que sustente
uma política da memória e a defesa do património natural e
histórico-cultural edificado, será igualmente um desafio a que os autarcas
não poderão deixar de responder.
Finalmente é necessário uma política de formação de professores que
mobilize os docentes no sentido de integrar nas suas práticas formas de
redescoberta e de identificação dos alunos com as comunidades a que
pertencem, com a sua história e com a sua cultura.
A memória é imprescindível.
Tal como um farol indica o caminho aos navegantes, assim a memória indica
a rota da intervenção cidadã aos sujeitos históricos de cada tempo; perdê-la
significa perder-se.
|