... a defesa das ideias


• 07-09-2007 •

por Albérico Afonso Costa
(Professor Adjunto do Departamento de Ciência Multiculturalidade e Desenvolvimento)


 

A História Negada

 

“Setúbal é das cidades que mais tem para contar e da qual menos se conta”.
Assim se referia João Bénard da Costa à cidade em que vivemos aquando da celebração do último 10 de Junho e com esta poética frase punha voluntária ou involuntariamente, o dedo numa das mais óbvias lacunas dos programas e currículos: Ausência ou quase ausência, da história local dos percursos escolares.

 

A reflexão sobre a necessidade de inclusão do estudo da história de cada espaço, de cada território, em que se inscreve a vida de cada aluno enquanto aprendiz de cidadão, impõe-se-nos assim de forma assertiva, não deixando margem para qualquer dúvida.

Vivemos hoje num mundo globalizado, que vive ao ritmo vibrante do satélite, do computador, da mercadoria chegado dos confins do mundo.

Esta sociedade que somos, este oceano de informação que possuímos, relativiza e menoriza a história pretendendo-se que ela seja servida, sem o nervo fundamental que lhe dá sentido, ou seja, sem o sal da memória colectiva, a oficina onde a humanidade se abastece de referências, de raízes, de origens, de identidades e experiências.

E se o que atrás foi dito é verdadeiro relativamente à História no seu conjunto, é-o ainda mais, no que concerne à história local, porque é aqui que os homens e mulheres vão descodificar o seu presente, quer ele seja uma realidade urbana e cosmopolita, quer ele seja uma vivência de território interior, citadino ou rural.

Recuperar as fronteiras geo-políticas, sociais e económicas dos diferentes viveres locais, como foram, no que se transformaram e no que poderão vir a ser, é tarefa só possível de concretizar, através da inclusão sistemática e sistémica no universo das disciplinas onde se integram as ciências sociais, e maxime a História.

Para concretizar uma nova política de formação em relação à História será necessário uma acção conjunta de vários actores sociais e institucionais.

Cabe referir, em primeiro lugar, a responsabilidade das universidades no fomento da formação avançada na área da história regional e local. Urge incentivar os jovens investigadores para que a escolha de temas da história, do património e das culturas locais, passem a fazer parte das opções na elaboração das suas teses de mestrado e doutoramento, permitindo assim que os professores possam ter disponíveis um conjunto de saberes científicos indispensáveis.

O poder autárquico tem também múltiplas responsabilidades nesta área, às quais não deverá fugir. Desde logo na construção e preservação de arquivos municipais que deverão passar a ter um lugar central na concretização de políticas culturais com preocupação na defesa e salvaguarda dos valores histórico-culturais das comunidades locais. Uma linha editorial que sustente uma política da memória e a defesa do património natural e histórico-cultural edificado, será igualmente um desafio a que os autarcas não poderão deixar de responder.

Finalmente é necessário uma política de formação de professores que mobilize os docentes no sentido de integrar nas suas práticas formas de redescoberta e de identificação dos alunos com as comunidades a que pertencem, com a sua história e com a sua cultura.

A memória é imprescindível.

Tal como um farol indica o caminho aos navegantes, assim a memória indica a rota da intervenção cidadã aos sujeitos históricos de cada tempo; perdê-la significa perder-se.


Albérico Afonso Costa - 07-09-2007 09:20