Num mundo crescentemente
globalizado, em que as diferenças linguísticas e culturais são cada vez mais
consideradas, assim como as rápidas mudanças tecnológicas, a natureza (e os
conteúdos) da literacia têm de mudar e alargar-se, de molde a integrar
outras formas de construção de significações, outros sistemas semióticos. Os
textos, hoje, são multimodais e requerem literacias múltiplas, compósitas,
obrigando a reequacionar o conceito de literacia.
Deste modo, e na sequência do que venho defendendo sobre o alargamento do
conceito de literacia a uma multiplicidade de textos e discursos,
argumentarei nesta crónica a necessidade da educação para a televisão,
salientando as aprendizagens que se podem realizar com ela e a partir dela,
ressaltando a importância da leitura das suas histórias para o
desenvolvimento de competências comunicativas, democráticas e de cidadania
dos alunos, chamando a atenção para a “didacticidade” de muitos dos seus
programas e para as oportunidades educativas que se podem gerar na aula de
Português, reiterando a abertura dialógica e relacional que a sua utilização
favorece, implicando também a aceitação de referentes culturais e vivenciais
dos alunos.
Alguém, um dia, disse que a televisão pode ensinar, iluminar e até
inspirar. Todavia, só o pode fazer se a usarmos com estas finalidades. É
pois exactamente por esta razão que é preciso reflectir sobre o seu papel
como parte integrante da nossa cultura, como um poderoso meio de
aprendizagem das crianças e dos jovens, que se desenvolvem e crescem num
mundo multimédia, em expansão, e orientado para a informação e para o
conhecimento.
Sempre existiram preocupações sobre o impacte da televisão, sobretudo nas
vidas das crianças. Durante muito tempo, considerou-se que a exposição à
televisão era passiva e, consequentemente, era a televisão que agia sobre as
crianças. Hoje em dia, há uma crescente consciência de que a televisão tem
vantagens educativas, acrescidas das fortes motivações que as crianças e os
jovens têm relativamente à sua utilização.
Numa caracterização exemplar deste medium, Len Masterman (1980) afirmou o
seguinte: “A televisão não é uma janela sobre o mundo, nem um espelho da
sociedade”. Os seus textos estão longe de ser transparentes; aliás, se o
fossem, seria desnecessária a educação para a televisão. Todavia, as
audiências, neste caso, as crianças e os jovens, obtêm muito prazer nos seus
visionamentos. Além disto, há programas de televisão que são didácticos no
sentido em que têm como finalidade desenvolver competências nos
espectadores, tanto ao nível do saber, como do ponto de vista relacional.
Como sabemos, o prazer e o gosto são fundamentais para o sucesso na
aprendizagem. Deste modo, sempre que o tema Televisão é introduzido na sala
de aula, em qualquer nível de ensino, o clima emocional altera-se; os alunos
empolgam-se, falam sobre e partilham o que vêem na televisão, participam.
Gera-se um clima de segurança e confiança, emergindo, naturalmente, as suas
interpretações da realidade, favorecendo-se a partilha de várias
representações do real. Mesmo os alunos menos capazes sentem-se seguros para
apresentar as suas interpretações e negociar significações.
Assim, a relação pedagógica pode alterar-se, permitindo configurar novas
formas de viver colectivamente, mais intervenientes e participadas.
Proporcionam-se actividades pedagógicas em torno da problematização e do
questionamento, centradas nos alunos, no diálogo estabelecido entre eles e
com o professor, em autênticos processos grupais de aprendizagem em
colaboração, podendo contribuir para o fortalecimento de sentimentos de
aceitação e de pertença.
Acresce referir, ainda, que é contactando com e analisando situações
comunicativas muito diversas, directas ou diferidas, que as crianças e os
jovens ultrapassam os limites da sua própria linguagem, tendo oportunidade
de a enriquecer e até de a expandir pela interacção com os outros. Além
disto, proporciona-se abertura à diversidade, no encontro entre culturas,
facilitando-se a aceitação do outro, aspectos estes essenciais à construção
da tolerância e da solidariedade.
Ora, pela televisão, as crianças e os jovens contactam com textos muito
variados, com uma diversidade de línguas, de discursos e de registos de
língua a que, habitualmente e de outra forma, não têm acesso. Defrontam-se
com múltiplas tipologias textuais que encerram “histórias”, com graus
igualmente muito variáveis de representação da realidade (da simulação à
ficção…). Um trabalho pedagógico em torno destas histórias, na aula de
Português, potencia certamente a sua compreensão, viabilizando actividades
favorecedoras de competências de comunicação, de intercompreensão e de
aceitação do outro.
Como sabemos, a narrativa constitui um processo fundamental de atribuição
de sentido à vida e à experiência da realidade, o que fazemos,
quotidianamente, através da linguagem verbal. A televisão é
predominantemente narrativa; conta histórias, incessantemente, configurando
os acontecimentos, sejam reais, simulados ou ficcionados. Tem desenvolvido e
produzido formas narrativas distintas e variadas (documentários,
telejornais, reportagens, concursos, debates, séries, animação, novelas …)
onde ocorre uma diversidade de situações de discurso e de linguagens. Tem
ainda uma linguagem única com códigos, convenções e modos de transição
peculiares, que lhe permitem construir as suas formas narrativas.
Por outro lado, a leitura não constitui um encontro descontextualizado
entre texto e leitor, mas antes um processo activo e crítico em que as
significações e os gostos circulam, socialmente, através da interacção que
se estabelece. Ao fazê-lo, ampliam-se sentidos previamente construídos,
reinterpretam-se textos.
Deste modo e como em qualquer processo de leitura (incluindo a dos textos
mediáticos, nomeadamente os da televisão), as audiências são activas e
participam no processo comunicativo, construindo a significação das
mensagens multimodais a que acedem pela televisão. Por isso, nem sempre as
significações construídas correspondem às propostas, o que, per se,
justifica que se eduque para a Televisão. Esta educação deverá assentar no
desenvolvimento das capacidades activas das audiências, orientando-se para o
desenvolvimento das suas capacidades de selecção, de avaliação e de
julgamento crítico.
Além disso, a escola tem de estar ligada às vivências dos seus actores,
neste caso os alunos, comprometendo-se, mais directamente, com a sua cultura
mediática e tecnológica, valorizando-a e proporcionando-lhes ambientes
melhores. Há que ajudá-los a cooperar, especialmente com a televisão, pois é
um medium dominante e envolve uma proliferação de escolhas.
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