... a defesa das ideias


• 21-02-2007 •


por José Gil
(Professor Adjunto do Departamento de Comunicação da ESE)


 A Ilusão Teatral

“Oh! Uma Musa de Fogo, que ascendesse ao mais luminoso céu da invenção um reino por palco, príncipes a representar e reis a observar a cena arrebatadora” Shakespeare
 

O Teatro e a Educação são actividades inconciliáveis, contudo desde os anos 60 se tem tentado com Calvet de Magalhães, Aldónio Gomes, Madalena Perdigão e tantos outros implementar o teatro nas escolas.

Os anos das grandes inovações surgiram, todavia, só após 1974. Em todo o país introduz-se na Formação de Regentes, Educadoras de Infância e Professores do 1º Ciclo, nos Antigos Magistérios Primários, a disciplina de “Música, Movimento e Drama”.

Surge então um 1º núcleo duro destas inovações, António Nóvoa (1), Victor Esteves, Carlos Fragateiro, Amílcar Martins, Avelino Bento, Carlos Cardoso, Isabel Alves Costa, Paula Folhadela, Maria do Céu Melo, Madalena Leitão, Manuel Guerra, Francisco Beja, Miguel Loureiro, Maria Santos e Tito Amorim e tantos outros

É de 1977 o documento que levanta o 1º problema conceptual: Teatro ou Expressão Dramática. Na linha da Tabela Brechtiana que opunha o Teatro Aristotélico ao Teatro Épico, Manuel Guerra e a sua Unidade Infância de Évora apresentam a seguinte tabela:  

Teatro

Expressão Dramática

Produto

Percurso

Texto

Texto não obrigatório

Publico Obrigatório

Sem público

Com cenário decorativo

Sem cenário ou apenas um espaço vazio

Marcações

Sem marcações

Este mesmo ano marca o nascimento da APED – Associação Portuguesa de Expressão Dramática. Dá-se o primeiro encontro entre Professores portugueses e a professora do Québec, Giséle Barret, com largo percurso na área da Educação e do Teatro. Tal encontro calará profundamente em toda uma geração que já havia sido bastante marcada pelas perspectivas inovadoras de professores e Mestres do Conservatório Nacional tais como João Mota, Mário Barradas, Peter Brook, José Sasportes, Arquimedes dos Santos e tantos outros…

Vivemos, então, um época de graça que não se voltou a repetir e dificilmente se repetirá.

Ao relegar, nesta loucura bolonhesa, o teatro para as actividades de enriquecimento curricular, dão-se dois “cortes” epistemológicos.

Aproveitando-se da fragilidade do corpo docente na área da expressão dramática e teatro, corpo docente que raramente consegue a efectivação, criou-se ou acentuou-se a ideia de que o teatro é um puro divertimento, que não desenvolve competências autónomas, e que apenas serve para ocupar os tempos livres.

1º Corte - Pão, Circo e laranjas. Não é por mero acaso que as quatro expressões (Musical, Motora, Dramática e Plástica) ocupam agora apenas 30% dos currículos, pouco mais de 7,5%. O célebre LEC, Ler Escrever e Contar, voltou ao ensino com 30% cada. A ideia utópica de um teatro prático, desinibidor, criador de um espectador conhecedor e crítico da sociedade do espectáculo fica mais uma vez adiada para as calendas de jamais.

2º Corte – A transversalidade. Alguns tecnocratas da educação apontam a hipótese da transversalidade da expressão dramática no ensino da Língua, da Matemática, do Meio Físico e Social. Nada a opor. Contudo exige-se conhecimento, rigor, seriedade (não confundir dramatização com “bandalheira”; expressão dramática com o exercício puro da desorganização.

No momento em que a educação para os media e a educação do espectador (e do telespectador) mais necessitam de incentivos, parece-nos, desde já, urgente uma profunda e esclarecida manifestação de indignação por se comprometer a tão necessária criação de uma nova massa crítica… E exigir que se devolva ao teatro o seu original e originário espaço no contexto educativo.


(1) Actual Reitor da Universidade Clássica