A globalização, os avanços
científicos e tecnológicos, e a guerra económica entre os U.S.A. e a U.
E. não podiam deixar de se repercutir nas estratégias e no tipo de
formação dos indivíduos, de educação e de sistemas educativos. As
reformas tornaram-se inevitáveis. A sociedade do conhecimento não se
compadece com arcaicas estruturas sociais socialmente estratificadas,
politicamente determinadas, onde reina o clientelismo e o nepotismo.
Portugal tem sido, na Europa, o último reduto da mentalidade
“clientelista” mais retrógrada. Meia dúzia de famílias, seculares,
dominam os sectores chaves da administração pública. Em cada região e em
cada cidade perpetuam-se velhas oligarquias infiltradas em todos os
partidos políticos, em todas as áreas da administração e em todas as
instituições de ensino e de formação com alguma autonomia. O objectivo é
apenas um: perpetuar o poder político e a segurança económica da
família, frequentemente à custa do erário do estado. São elas as maiores
responsáveis pela falta de competitividade do sector público, pela
inércia cultural e pela desvalorização da investigação. Todos sabem que
para obter uma bolsa, um emprego, um cargo mais vale o factor “C” que
qualquer prova de inequívoca competência.
Em todos os países desenvolvidos a investigação tornou-se o motor do
desenvolvimento social e o investigador, para além do prestígio, viu-se
empossado de um novo poder que lhe permite ser o garante da
competitividade e de mecanismos de reforço individuais baseados no
mérito e no esforço.
São os investigadores que estão na origem dos avanços científicos e
tecnológicos e nas alterações das práticas de produção assim como de
novas condições de vida e de trabalho. Neste contexto, estará uma
sociedade profundamente comprometida com a lei dos favores apta a
empreender as reformas educativas que exigem mudanças tão profundas na
nossa mentalidade e nas nossas práticas culturais mais arreigadas?
A formação de professores, a gestão educacional, a organização
curricular, a avaliação institucional e o próprio sistema educativo são
antes de mais produtos de uma cultura e de uma mentalidade. Para um país
que passou do fascismo para a democracia sem substituir a origem social
do conjunto nuclear da sua elite intelectual o desafio é imenso. O
projecto educativo assente na divisão social do trabalho, marcado pela
clara definição de fronteiras entre as funções intelectuais e as funções
instrumentais que determinavam a separação entre dirigentes e
trabalhadores não tem sido eficazmente substituído por um outro que
respeite as necessidades do novo mundo tecnológico.
Os princípios pedagógicos que pretendiam dar respostas às demandas de
uma sociedade cujo modo dominante de produção baseava-se numa tecnologia
rígida e estável, exigiam uma formação escolar centrada em conteúdos e
em actividades mas olvidavam a importância da relação entre o aluno e o
conhecimento. Não existia nenhuma preocupação com a integração entre
conteúdos e métodos, nenhuma forma de incentivar o domínio intelectual
das práticas sociais e produtivas. Da memorização de conhecimentos e da
repetição de procedimentos que era o treino indispensável e exclusivo
para enfrentar o mundo do trabalho e da vida social; da escola
organizada de modo hierarquizado e centralizado para assegurar a
disciplina rígida exigida pelos diferentes contextos sociais da vida e
do trabalho, passámos às competências de difusas militâncias críticas,
cientifica e tecnologicamente mal preparadas.
A globalização da economia e a reestruturação produtiva transformaram
de forma radical as necessidades de formação. Novos princípios
científicos exigiram novos materiais e novos equipamentos. Os processos
de trabalho modernos exigem flexibilidade e adaptabilidade. Exigiu-se um
novo tipo de profissional, dotado de competências de comunicação
variadas, com um sólido domínio das tecnologias e das técnicas de
informação, de várias linguagens, de várias línguas e de uma autonomia
intelectual suficiente para resolver problemas práticos extremamente
diversificados. O espírito de iniciativa e a criatividade tornaram-se as
competências mais apreciadas num universo em constante mutação.
Ao domínio dos conteúdos dever-se-ia ter-se substituído o
conhecimento científico, os métodos de investigação-acção, os projectos
de intervenção, o gosto pela actualização constante, pelas novas
situações e pelos novos desafios.
Num mundo globalizado, a capacidade de se comprometer com causas
regionais e internacionais, o espírito crítico e criativo é determinante
para o reforço da identidade e da auto-estima.
Aos professores exigiu-se a construção de uma nova identidade
profissional e a integração de novas formas de trabalho. O mundo
contemporâneo exigiu uma cultura geral sólida e diversificada,
competências técnicas variadas e versáteis. A intervenção do professor
na escola não pode omitir a sua íntima relação com o mundo do trabalho,
com as tecnologias, com os meios de comunicação e de informação, com os
paradigmas do conhecimento, com as formas do exercício da cidadania, com
os objectivos de uma formação geral que incluam a criatividade, a
solidariedade, a qualidade de vida, a preservação do meio ambiente, etc.
Os saberes pedagógicos e didácticos foram alargados, os modos de
formação revistos, os métodos e técnicas de ensino repensados. Formar
indivíduos, capazes de interpretar a realidade e nela intervir,
envolvendo-se nos problemas que dizem respeito à preservação da
natureza, à harmonia da sociedade, à política, à cultura, ao mundo do
trabalho e às questões que dizem respeito à sua própria vida era o
grande objectivo.
A escola devia ter incentivado, apoiado e acompanhado o
desenvolvimento de competências para uma real e efectiva intervenção
social.
A mudança das práticas organizacionais e de gestão, assim como uma
maior individualização do ensino, permitindo diferentes ritmos,
diferentes curricula, diferentes interesses não pode ser mais adiada.
As regiões, as autarquias, os bairros, os pais têm que se apropriar
das suas escolas. Cada aluno tem que beneficiar de um acompanhamento
individualizado, para aprender a pensar o global e a agir sobre o local.
Serão os curricula dos novos cursos do formato de Bolonha capazes de
fazer tudo aquilo que devia ter sido feito, sem demagogias, com rigor,
eficácia e brio e sem esquecer que a disciplina escolar cria rotinas de
trabalho que dão segurança e conforto perante as adversidades, que
estudar também exige algum isolamento e compenetração, e sobretudo que o
saber não ocupa lugar e nunca é crime?
Serão os novos cursos capazes de mudar mentalidades e fazer com
compadrios e clientelismos sejam de vez erradicados da nossa cultura
colectiva?
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