As três profissões do humano (governar, curar e educar) estão ameaçadas
nas suas identidades pela ideologia cientista/tecnicista, segundo a qual
tudo é mensurável e quantificável e passível de um controlo racional:
graças a um pensamento poderoso, a dispositivos metodológicos rigorosos
e a sofisticados instrumentos de análise quantitativa, é possível
planificar e avaliar os desempenhos de todos os profissionais, de todos
os serviços. A geração de políticos funcionários que nos governam,
formados nos aparelhos partidários, sabe o que quer quando se refere aos
técnicos (da gestão política, da saúde e da educação). Vejamos o que se
passa com os profissionais da educação.
A redução da profissão de educar às suas características estritamente
científicas e técnicas é uma escolha intencional que serve o
racionalismo económico neo-liberal subjacente à planificação do sistema
educativo. A fé “tecno” cientista pretende inocentar os projectos
políticos de privatização e de transformação das escolas em instituições
empresariais, de avaliação do desempenho profissional dos professores e
das escolas (rankings, critérios de excelência,...).
Essa fé “tecno” cientista que assiste às decisões dos políticos,
sempre fundadas em pareceres de comissões técnicas independentes, não
tem discussão. A inaptidão para o diálogo é bem ilustrada pelo exemplo
do estatuto da carreira docente que não foi assinado por nenhuma das
estruturas sindicais.
Face à resistência dos professores e aproveitando-se das fragilidades
e das insuficiências do movimento sindical, os políticos funcionários
fazem passar a ideia segundo a qual os sindicatos dos professores são
associações reaccionárias, resistentes às necessárias reformas,
centradas no interesse próprio dos profissionais da educação, sem
discernimento da sua responsabilidade social.
De forma complementar, a partir do próximo ano lectivo, as formações
iniciais dos educadores e dos professores serão caracterizadas por um
significativo ênfase colocado quer nas áreas científicas de docência
quer nas didácticas, em detrimento das componentes socio-histórica,
política, filosófica e pedagógica.
Não é por mero acaso. Na verdade, a autonomia dos professores é
considerada um obstáculo ao desenvolvimento das reformas; o pensamento
crítico dos educadores e dos professores é considerado pelos políticos
funcionários como arcaico, obsoleto, inadequado, devendo ser removido,
anulado; é um pensamento tanto mais indesejável, quanto mais se mostra
céptico face à fé cientista/tecnológica. Mas no fundo, os professores
são considerados reaccionários porque resistem, em vez de assumirem as
funções que lhes são reservadas, ou seja, aplicar de forma eficaz e
eficiente as reformas, os planos e os projectos delineados pelos
técnicos/funcionários da política educativa.
Trata-se de um conjunto de procedimentos políticos articulados que
visam uma domesticação do pensamento crítico dos educadores e dos
professores, tentando desviar o mais possível a atenção dos
profissionais da educação das dimensões sociais, políticas e económicas
das tarefas que realizam. Ou seja, trata-se de uma verdadeira
desprofissionalização dos professores e educadores: remetidos a um papel
de executores das prescrições dos políticos funcionários, submetidos
pelo controlo e pelas restrições à sua autonomia, estão destinados a
serem técnicos incapazes de desenvolver um julgamento profissional ético
e político.
Parece então que a tarefa central dos professores e dos educadores é
a de resistirem à destruição da sua identidade de profissionais que
educam, destruição essa que é organizada por profissionais que governam
em circunstâncias idênticas suspeitas: tendo reduzido o político à
cozinha e à retórica partidárias, destruíram a sua própria identidade
profissional.
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