... a defesa das ideias


• 26-01-2007 •

por Augusto Pinheiro
(Professor Adjunto do Departamento de Ciências da Educação da ESE)

 

O triunfo dos técnicos?


As três profissões do humano (governar, curar e educar) estão ameaçadas nas suas identidades pela ideologia cientista/tecnicista, segundo a qual tudo é mensurável e quantificável e passível de um controlo racional: graças a um pensamento poderoso, a dispositivos metodológicos rigorosos e a sofisticados instrumentos de análise quantitativa, é possível planificar e avaliar os desempenhos de todos os profissionais, de todos os serviços. A geração de políticos funcionários que nos governam, formados nos aparelhos partidários, sabe o que quer quando se refere aos técnicos (da gestão política, da saúde e da educação). Vejamos o que se passa com os profissionais da educação.

A redução da profissão de educar às suas características estritamente científicas e técnicas é uma escolha intencional que serve o racionalismo económico neo-liberal subjacente à planificação do sistema educativo. A fé “tecno” cientista pretende inocentar os projectos políticos de privatização e de transformação das escolas em instituições empresariais, de avaliação do desempenho profissional dos professores e das escolas (rankings, critérios de excelência,...).

Essa fé “tecno” cientista que assiste às decisões dos políticos, sempre fundadas em pareceres de comissões técnicas independentes, não tem discussão. A inaptidão para o diálogo é bem ilustrada pelo exemplo do estatuto da carreira docente que não foi assinado por nenhuma das estruturas sindicais.

Face à resistência dos professores e aproveitando-se das fragilidades e das insuficiências do movimento sindical, os políticos funcionários fazem passar a ideia segundo a qual os sindicatos dos professores são associações reaccionárias, resistentes às necessárias reformas, centradas no interesse próprio dos profissionais da educação, sem discernimento da sua responsabilidade social.

De forma complementar, a partir do próximo ano lectivo, as formações iniciais dos educadores e dos professores serão caracterizadas por um significativo ênfase colocado quer nas áreas científicas de docência quer nas didácticas, em detrimento das componentes socio-histórica, política, filosófica e pedagógica.

Não é por mero acaso. Na verdade, a autonomia dos professores é considerada um obstáculo ao desenvolvimento das reformas; o pensamento crítico dos educadores e dos professores é considerado pelos políticos funcionários como arcaico, obsoleto, inadequado, devendo ser removido, anulado; é um pensamento tanto mais indesejável, quanto mais se mostra céptico face à fé cientista/tecnológica. Mas no fundo, os professores são considerados reaccionários porque resistem, em vez de assumirem as funções que lhes são reservadas, ou seja, aplicar de forma eficaz e eficiente as reformas, os planos e os projectos delineados pelos técnicos/funcionários da política educativa.

Trata-se de um conjunto de procedimentos políticos articulados que visam uma domesticação do pensamento crítico dos educadores e dos professores, tentando desviar o mais possível a atenção dos profissionais da educação das dimensões sociais, políticas e económicas das tarefas que realizam. Ou seja, trata-se de uma verdadeira desprofissionalização dos professores e educadores: remetidos a um papel de executores das prescrições dos políticos funcionários, submetidos pelo controlo e pelas restrições à sua autonomia, estão destinados a serem técnicos incapazes de desenvolver um julgamento profissional ético e político.

Parece então que a tarefa central dos professores e dos educadores é a de resistirem à destruição da sua identidade de profissionais que educam, destruição essa que é organizada por profissionais que governam em circunstâncias idênticas suspeitas: tendo reduzido o político à cozinha e à retórica partidárias, destruíram a sua própria identidade profissional.


Augusto Pinheiro - 26-01-2007 08:59