... a defesa das ideias


• 27-12-2007 •

por Carlos Moreira Cruz
(Professor Adjunto do Departamento de CMD da ESE de Setúbal)

 

 

Ordenamento do Território e desenvolvimento económico – Namoro, união de facto ou casamento?

 

Em 1990 estava a terminar a minha licenciatura em Geografia e Planeamento Regional e Urbano quando foi publicada a célebre Geografia de Portugal de Orlando Ribeiro e de Hermann Lautensach. A obra reunia três visões do território português, a primeira do célebre geógrafo alemão que se apaixonou pelo nosso país nos anos trinta e que foi o primeiro a escrever uma geografia de Portugal, a visão de Orlando Ribeiro o maior geógrafo português de sempre que conhecia todos os sítios de Portugal - "a pé e não de carro" - e a visão de Susanne Daveau, grande geógrafa de origem francesa, que actualizou os trabalhos anteriores.

Nunca me esqueço da surpresa que tive quando li numa entrevista a um jornal uma frase que cito de cabeça, do já septuagenário Orlando Ribeiro: “Portugal não dispõe de qualquer unidade geográfica nem organizou nunca as suas actividades de forma racional, nem tão pouco existem complementaridades entre as suas regiões”.

Eu já sabia que Portugal era obviamente um facto histórico. Mas quanto à falta de racionalidade na arrumação das suas actividades, sobretudo no passado? Achei excessivo!! Fiquei perplexo! Fiquei como diria o célebre chefe da polícia de Casablanca: “Chocado”!!! Nunca tinha lido nada parecido com isto em quatro anos de curso! É claro que se tratava de uma questão em torno do modelo ou da regra e o Prof. Orlando Ribeiro era muito exigente. Afinal quais são os países bem arrumados espacialmente?

É claro que a recente industrialização e a aceleração vertiginosa da urbanização do país, iniciada na década de cinquenta, desenvolveu-se nos anos de maior crescimento da economia portuguesa (os célebres anos 60, os anos de ouro), e teve consequências terríveis no território. Só na década de 60 um milhão de portugueses imigraram e três milhões mudaram-se para o litoral. Mas fazer cidades demorava 10 ou 15 anos e era preciso fazer tudo rapidamente. O nosso urbanismo respondeu envergonhadamente e deixou livre campo à iniciativa privada. O Estado nem controlou minimamente a construção clandestina para evitar os piores erros.

Dissociou-se o povoamento da estrutura ferroviária e optou-se pelo sistema rodoviário. Construiu-se por toda a parte e rapidamente com carências terríveis nas infraestruturas básicas: abastecimento de água, fornecimento de electricidade, equipamentos sociais. Ainda hoje se está a fazer a reconversão das áreas clandestinas. O saneamento básico ainda hoje é o principal problema do ordenamento do território e do ambiente em Portugal!!! Na península de Setúbal nem vale a pena falar. A construção a Oeste da auto-estrada para Lisboa não estava prevista! Era proibida mesmo e no entanto surgiram os urbanizadores clandestinos, as urbanizações clandestinas, os bairros de barracas. E as partes de casa?

Mas o país desenvolveu-se! Entre 1960 e 2002 fomos o quarto país do mundo com o maior crescimento económico. É obra, temos que o admitir. E o Ordenamento do Território? Ficou esquecido? Não completamente!

Geógrafos, urbanistas, economistas e os diversos poderes do Estado chamaram a atenção para o desordenamento. Numa primeira fase, nos anos 80 e 90 tentou-se conter a construção através do planeamento municipal. Pelo planeamento regional tentou-se encontrar modelos de desenvolvimento regional e sub-regional. A qualificação das áreas metropolitanas e da faixa do litoral entre Viana do Castelo e Setúbal fez-se com investimentos pesados nos sistemas de acessibilidades e em equipamentos e dotou-se o país de uma rede de estradas que mudaram radicalmente a geografia de Portugal. Mudaram tanto a geografia de Portugal que hoje se pode dizer que o país é todo litoral.

Hoje os problemas são outros. Portugal está no “pelotão da frente” da moeda única e percebeu que o seu modelo de desenvolvimento estava esgotado. Não basta colocar o número máximo de pessoas a trabalhar, com baixos custos aproveitando os recursos naturais. É preciso apostar na investigação, na dimensão, nas economias de escala e de aglomeração, e na diferenciação dos produtos. Para isso é preciso territorializar a nossa estratégia e os nossos investimentos. O trabalho está feito e foi aprovado este ano na Assembleia da República. Chama-se Programa Nacional de Política de Ordenamento do território (PNPOT) e compõe-se de um relatório e de um programa de acção.

Num país que neste momento só conta com um motor de desenvolvimento, a região de Lisboa e Vale do Tejo, o PNPOT propõe mais três motores. Colocar de novo a funcionar o motor – que entretanto gripou - região Norte com o Porto à cabeça, e apostar num conceito novo, muito europeu, o policentrismo, para tentar dar uma nova dinâmica à região centro. Com a mesma receita policêntrica propõe-se também uma especialização de sectores de actividade arrumados em pequenos grupos de cidades do interior do país, aproveitando a proximidade e incentivando parcerias internacionais facilitadas como nunca pelo baixo custo dos transportes e pela existência de tecnologias de informação e de comunicação que nos podem pôr em contacto permanente a longas distâncias e com baixo custo.

Será que finalmente o Estado vai “regular” ou orientar a localização das actividades económicas? Se tudo corresse como num conto de fadas ficaríamos ricos em poucos anos. Os especialistas dizem-nos que se Lisboa (região) conseguir concretizar os seus objectivos estratégicos e considerando que o resto do país não contribui nem positiva nem negativamente para o crescimento económico, teremos um crescimento do PIB de cerca de 4% por ano. E se todos os motores estiverem a funcionar em pleno?