Aprender uma língua a pensar no futuro
Diário de Notícias
(Internet), 11 de Fevereiro de 2000
A
escola do padre Felgueiras resistiu e contrariou o invasor, continuando o
ensino do português
Luísa
Melo
Na
casa do padre João Felgueiras ensina-se português. É uma autêntica escola,
frequentada por cerca de mil jovens. O DN foi ver como se aprende sem livros e
às vezes sem cadernos nem canetas. A resposta dos jovens não deixa dúvidas,
aprendem o português porque "é bom para o nosso futuro". Esta escola
"resistiu" ao invasor e, na próxima segunda-feira, vai receber a
visita do Presidente da República português.
Já não
são crianças, a maior parte dos alunos têm entre 12 e 16 anos. Estão sentados
em bancos de plásticos de cores variadas com os cadernos em cima das pernas.
Repetem em coro o que está escrito no quadro negro. Quase como uma ladainha. É
um poema sobre uma personagem chamada Ana e dizem-no até acertarem todos na
dicção correcta das palavras. Não há livros e muitos deles não têm dinheiro
para comprar cadernos nem canetas, mas vai-se aprendendo. Há muita vontade.
Acima de tudo, muita força de vontade, garantem as professoras.
A
escola do padre João Felgueiras nasceu com o objectivo de preparar jovens para
a Companhia de Jesus, mas depressa chegaram outros interessados em aprender
português e foram ficando. Nos últimos dois anos eram já cerca de três mil
jovens, conta o padre, "vinham de toda a cidade, era uma multidão, já não
tínhamos espaço, as crianças ficavam na estrada". Os indonésios tinham
proibido o ensino do português, mas nos últimos tempos "já não davam
importância".
Entretanto,
o número de escolas onde se lecciona o português aumentou e os jovens
distribuíram-se por outros estabelecimentos de ensino. "Estes jovens estão
aqui porque em Timor há uma vontade muito grande dos mais velhos e das crianças
de aprender português e o bahasa lembra-lhes a opressão que sofreram."
O
padre jesuíta não tem dúvidas em dizer que a "vontade geral da população é
que o português seja a língua oficial". E rebate as outras hipóteses:
"Era estranho que se adoptasse a língua do invasor e do opressor. E porquê
o inglês, se os nossos pais não o falam? Não há tradição. Regressar à
legalidade em Timor é regressar ao que havia em 1975."