São jovens, timorenses e frustrados

Diário de Notícias (Internet),12 de Fevereiro de 2000

 

O desemprego é muito grande. Quem trabalha tem salários de miséria. Luxos, só para estrangeiros

 

Luísa Melo

 

em Díli

 

Os jovens timorenses identificam-se com muito pouco do que se passa no seu território. Em Díli, o desemprego é altíssimo e os poucos que têm trabalho são explorados pelos baixos salários praticados pelos estrangeiros que abriram negócios na cidade. Nos últimos dois dias, os funcionários da restauração dos hotéis flutuantes fizeram greve. E choraram. Ganhavam cinco dólares australianos diários por 12 horas de trabalho. Xanana Gusmão reconhece que reina a "frustração", principalmente entre os jovens.

 

 

As escolas ainda não estão a funcionar em termos formais, as universidades não reabriram, não está sequer definida a língua oficial, apesar de o CNRT já se ter decidido pelo português. Os jovens apenas estudaram bahasa indonésio e inglês e dizem que não querem mudar, o que em nada contribui para a pacificação do ambiente. Mas, principalmente, não há emprego. Os jovens juntam-se nas ruas, nos muros. À espera. Falta-lhes um objectivo, um rumo. Falta-lhes "algo de concreto que venha diminuir a frustração em relação ao processo de transição para a independência", reconheceu ontem Xanana Gusmão.

 

O bispo acusa o CNRT de ter medo dos jovens e de não os controlar: "É preciso dialogar com eles, caminhar com eles", diz. E Xanana não lhe tira a razão: "Temos tantos problemas para responder e todos são prioritários. Perguntam-nos quando é que as escolas reabrem, quando é que a universidade começa e quando é que as suas aspirações vão ser respondidas." Mas acrescenta que o CNRT está a "tentar ver se, não eliminando as diferenças, as conduzimos para uma unidade de pensamento".

 

O problema, para o padre João Felgueiras, é que, agora, "os timorenses sentem-se colonizados de uma maneira feroz". O que impera no território, diz, "é o capitalismo, o dinheiro, e todos os outros valores são sacrificados. Quem está aqui só tem um interesse: o petróleo de Timor. Não querem saber dos timorenses". Para ilustrar o que diz, lembra que, "passados estes meses, só os estrangeiros estão instalados, os timorenses continuam na mesma".

 

Até os hotéis flutuantes, acrescenta o padre João Felgueiras, servem para que o "rico de Darwin possa viver rico em Díli". O próprio "luxo" das Nações Unidas contrasta com a miséria da população. Para já, há alguns incidentes pontuais, mas "qualquer dia vai-se assistir a uma revolta e a um ódio contra os estrangeiros. Saíram os javaneses e entraram outros mais rápidos ainda, que estão a encantar e a iludir os jovens. Estão a acabar de destruir o resto de Timor".

 

Então, e os portugueses? "Os portugueses infelizmente não fazem ondas."

 

Há quem aponte a falta de um sistema jurídico e a inexistência de prisões como as causas da instabilidade. Quando há incidentes, como aconteceu recentemente com o assalto ao armazém de Manuel Carrascalão, a polícia chega, mas não faz nada. Faltam medidas repressivas que sirvam de exemplo, considera o administrador apostólico de Díli.

 

Mas o certo é que há muitas carências de toda a ordem. Na escola do padre Felgueiras, muitos jovens não têm dinheiro para comprar cadernos e canetas. As casas continuam queimadas e os casos de reconstrução contam-se pelos dedos de uma mão.

 

A UNTAET, por seu lado, move-se pela cidade com "sinais exteriores de riqueza". Pelo menos, aqui são. Até há bem pouco tempo, os funcionários timorenses a desempenhar funções na UNTAET e nos serviços públicos faziam trabalho voluntário. Agora, já estão a receber salários que, dependendo das habilitações e do cargo, variam entre os 77 e os 300 e poucos dólares australianos.