Reaprender a ensinar a língua portuguesa

Diário de Notícias (Internet), 2 de Fevereiro de 2000

 

Sem dúvidas sobre a futura língua oficial, professores timorenses elogiam a oportunidade de um curso de formação ministrado por portugueses

 

Luísa Melo

 

em Baucau

Chegaram cedo. Muito cedo. Quase duas horas antes. Os cerca de cem professores do ensino primário de Baucau estavam, ontem à tarde, ansiosos por começar o curso de formação ministrado por professores portugueses.

 

Mesmo sendo só a apresentação, muitos levaram caderno, não fosse haver ainda tempo para escrever alguma coisa.

 

O sentimento destes docentes foi depois explicado pelo bispo de Baucau, D. Basílio do Nascimento: "É como acender as primeiras luzes de uma geração intelectual que vai escrever a história de um país."

 

Para os professores de Baucau, este curso de formação não poderia vir em melhor altura. Não têm dúvidas de que o português vai ser a língua oficial de Timor - aliás, há mesmo quem se mostre indignado com a existência de outra possibilidade - e é importante começar a ensinar os mais novos a falar.

 

A reciclagem impõe-se não só porque muitos professores timorenses já não ensinam a língua há 24 anos mas também porque outros, apesar de falarem português, só começaram a leccionar durante a ocupação indonésia. É o caso das professoras Celeste Guterres, Perpétua dos Reis, Silvina Guterres e do professor Augusto Sequeira, que iniciaram a carreira em 1982. Agora - dizem - queremos aprender para poder ensinar.

 

Já João Coimbra foi formado durante a administração portuguesa, e garante: "Sei falar português muito bem porque fiz questão de manter a língua dentro de casa com a mulher e os filhos."

 

Quanto ao futuro, tem certezas: "Para nós, o português já é a língua oficial, era o que falávamos antes e foi proibido."

 

Com 37 anos de docência, o que João Coimbra quer aprender neste curso é a metodologia do ensino. Mas, acrescenta, "se houvesse mais professores era melhor, principalmente no secundário, que actualmente nem sequer funciona por falta de professores". Aliás, o maior número de docentes que até Setembro se vai deslocar para Timor pertence a este nível de ensino. Um dado que João Coimbra já conhecia e agradece aos portugueses.

 

E as crianças não vão ter dificuldades em aprender?

 

"Basta ter os livros e depois é um regalo!", garante João Coimbra. E também neste campo os timorenses contam com a contribuição do país-irmão. Para já, e de acordo com Rui Silva, do Comissariado de Apoio à Transição em Timor-Leste, está definido que até 8 de Março seguem mais 54 professores. E depois outros irão...

 

O coordenador deste grupo de professores portugueses, José Vítor Adragão, explicou que se trata de "um curso-piloto de reciclagem", que servirá também para aperfeiçoar futuras acções".

 

O nosso papel, salientou, "não é ensinar o bê-a-bá, mas ajudar a recordar e a relembrar o que já sabem há muito tempo e estava esquecido. São os colegas... vimos trabalhar com colegas".

 

Durante a manhã, decorreu a apresentação dos professores, em Díli, mais propriamente na Escola Paulo VI. Também aqui são cerca de cem os formandos timorenses. Para este momento, um grupo de docentes do ensino básico do território surpreendeu os colegas portugueses com a apresentação de um espectáculo de danças tradicionais portuguesas.