A evolução do ensino da informática em Setúbal


Alberto M. S. Pereira
,Esc. Sec. da Bela-Vista

Nesta comunicação vamos falar na evolução do ensino organizado da informática no concelho de Setúbal não incluindo o ensino superior. Também não iremos falar nos projectos e programas aplicados nas escolas como, por exemplo, o projecto Minerva.
Paralelamente abordaremos também alguns aspectos da história do ensino em Setúbal assim como alguns marcos da evolução da informática que se mostrem relevantes para a organização da comunicação.

Curiosamente a primeira referência sobre o ensino de informática em Setúbal remonta a 1972 e foi uma iniciativa de uma empresa particular que organizava cursos de contabilidade e de dactilografia. Com efeito, em Agosto de 1972, a Cigreci, instalada num primeiro andar da Avenida 5 de Outubro, por cima da conhecida loja “Só calças”, anunciou a abertura de 12 inscrições para um curso de linguagem de programação Cobol. Era a linguagem usada nas actividades comerciais e na época começava a ser aplicada em algumas empresas do concelho principalmente nas ligadas à montagem de automóveis. Os programadores em geral tinham outras profissões e trabalhavam, em tempo parcial, para as empresas que necessitassem dos seus serviços.
Na altura os computadores eram uns enormes armários, instalados em salas com ar condicionado e os seus operadores trabalhavam de bata branca... Os dados eram armazenados em cartões perfurados, práticos para fins comerciais como facturação ou salários. A nível de equipamentos a IBM dominava o mercado.
Passados dez anos, em 1982, começaram a ser vendidos em Setúbal os primeiros computadores para o utilizador individual. Nos finais de 1982 já se podiam-se comprar computadores das marcas New Brain, Apple II, BBC e Atari. Também surgiu, na altura, o célebre computador ZX 81 Spectrum, utilizando um leitor de cassetes como memória exterior, que dispunha de jogos e programas aplicativos para salários e contabilidade. Aliás nessa altura, em Setúbal, iniciou-se o registo dos recibos da cobrança da energia eléctrica com um modesto Spectrum que durante anos prestou inestimáveis serviços.
No anos seguinte apareceu em Setúbal o primeiro computador de secretária. Foi o modelo MAI-S10 Basic Four com um monitor próprio de 12 polegadas, o que era uma novidade, pois os anteriores eram ligados a televisores, e possuía dois leitores de disquetes de 5,5 polegadas. Era um aparelho muito elegante com o teclado incorporado no monitor. A sua memória RAM tinha a capacidade de 64 Quilo bytes. Mas não era compatível com os modelos IBM o que motivou o seu desaparecimento prematuro.
Apenas no início do ano lectivo de 1985- 86 começou o primeiro curso de informática no ensino regular em Setúbal. A Escola Secundária da Bela Vista foi autorizada a abrir um curso técnico - profissional de informática, ao abrigo da célebre Despacho Normativo n.º 194-A/83, de 2 de Outubro, do ministro Augusto Seabra que pretendeu ressuscitar os antigos cursos Industriais e Comerciais extintos, em 1972, pelo ministro Veiga Simão.
Este curso de informática, com equivalência ao 12º ano, foi único em todo o distrito durante quase uma dezena de anos e a sua história merece ser contada com algum pormenor. No ano lectivo anterior, em 1984/85, leccionou na Escola Secundária da Bela Vista uma professora de matemática cujo marido, também professor de matemática, estava destacado no ME nos serviços de informática. Graças ao seu empenho e também ao interesse de um professor de História, da mesma Escola, foi possível conseguir a abertura do curso e o fornecimento de quatro computadores e uma impressora.
Os computadores fornecidos eram da marca BULL, francesa, do modelo Micral 30. Tinham uma memória RAM de 256 Kilo bytes, monitor monocromático, apenas para texto, e dois leitores de disquetes de 5,5 polegadas. Utilizavam o recente sistema operativo MS-DOS 2.11. O processador era o clássico 8088 da Intel que trabalhava com a rapidíssima frequência, na época, de 4,77 Mega Hertz. Eram muito sensíveis à humidade e com frequência não funcionavam à Segunda-feira de manhã pois, durante o fim de semana, iam acumulando humidade no interior... A impressora era enorme, para o formato A3 e de agulhas de impacto, uma autêntica metralhadora quando em funcionamento.
Havia dois cursos de informática na escola:
1- O curso técnico-profissional com equivalência ao 12º ano no qual os alunos estavam 35 horas por semana na escola e tinham 10 disciplinas técnicas. Era o chamado “curso dos pobres”.
2- O curso da área B Estudos Científicos – Tecnológicos com a chamada Formação Vocacional de Informática, com o 10 e 11º ano apenas, no qual os alunos estavam apenas 29 horas por semana na escola e tinham somente quatro disciplinas técnicas. Era o chamado “curso dos ricos”.
Curiosamente o primeiro curso Técnico Profissional, formado por alunos cuja inscrição não obedeceu a qualquer escolha, forneceu alunos que foram mais além nas suas carreiras do que os seus colegas do curso da via de ensino em que maioria se perdeu mais tarde a meio dos cursos superiores. Basta dizer que nesse primeiro curso técnico profissional até o aluno mais fraco mais tarde se licenciou em engenharia informática e o melhor aluno doutorou-se em Física Nuclear e hoje é investigador a tempo inteiro no Instituto Superior Técnico.
Nos finais de 1985 apareceu no mercado, em Setúbal, o primeiro computado com disco rígido. Era da marca Casio e tinha um disco com a capacidade, extraordinária para a época,de 10 Mega bytes. Continuava a ter os dois leitores de disquetes de 5,5 polegadas e, a preços de hoje, custava cerca de 8.500 Euros isto é, a módica quantia de 1.700 contos ...
No ano seguinte, finais de 1986, foi inaugurada o então chamado Centro Integrado de Formação Profissional de Setúbal, do futuro Instituto do Emprego e Formação Profissional, mas inicialmente apenas abriram os cursos ligados às actividades oficinais e de escritório. A informática ainda era uma ciência quase esotérica e portanto afastada das necessidades dos desempregados...
Em meados de 1987 grande alteração nos equipamentos e programas disponíveis no mercado. Surgiu o chamado computador IBM PC/AT com o célebre processador 80286. A memória RAM já tinha 1 Mega byte e o monitor podia trabalhar com gráficos embora ainda a preto e branco. Apenas com um leitor de 5,5 polegadas e um disco rígido de 20 Mega bytes este computador trabalhava com o sistema operativo MS-DOS 3.1 e podia ser comprado por apenas 5.000 euros, a preços actuais, uns escassos 1.000 contos...
Nesse mesmo ano de 1987 foram criados cursos do Fundo Social Europeu como fim de fornecerem formação profissional acelerada aos jovens dos 18 aos 24 anos. Os formando recebiam mensalmente um subsídio de 60 contos actuais, uns 300 euros, além da possibilidade de receberem transporte e até alojamento. Foi um autêntico “Maná dos deuses” para todos. Desde os formadores, aos jovens e às organizações que estavam por detrás dos cursos, todos ganharam. Os jovens saltavam alegremente do curso de “Técnico de afiar serras” , sic, para um curso de “Desenhador Industrial” . Pelo meio faziam um curso de “Operador informático de gestão agrícola”.
Mas o que se aprendia nesses cursos? Nos cursos de informática, sempre com centenas de horas de duração e a três horas diárias, o habitual era o programa possuir muitos conteúdo de introdução aos computadores, depois os inúmeros comandos do MS-DOS. Seguia-se um processador de texto, normalmente o Wordstar 2000 e, se houvesse tempo e o monitor tivesse ciência para tal, talvez um pouco de Lotus 123, a folha de cálculo na altura na moda. Como se compreende pouco se aprendia nestes cursos uma vez que a motivação dos alunos era o subsídio e, para um cursos de 15 a 20 alunos, apenas havia, em geral, quatro computadores e duas impressoras. Quanto aos monitores havia de tudo. Desde os competentes aos simples curiosos que apenas sabiam fazer umas gracinhas com o Spectrum lá em casa.
Ainda em 1987 o mercado apresentou um computador , de fabrico francês, o Tran Jasmin que tinha duas novidades. Os leitores de disquetes eram já de 3 polegadas, tal como os actuais e possuía um novo dispositivo com o nome curioso de “rato”. Também fornecia, com um suplemento de preço, um monitor a cores, o que era inédito. Tudo isto podia ser comprado por apenas 3.750 euros, ou sejam 750 contos actuais.
Nos finais dos anos oitenta deram-se duas alterações profundas no ensino secundário. Em 1989 foram criadas as escolas profissionais com cursos de equivalência ao 12º ano. Logo de início foram abertas 50 escolas com um total de 2.700 alunos. No mesmo ano o ensino secundário foi reformulado passando a haver dois cursos;
a) Os CSPOPE – Cursos predominantemente orientados para o prosseguimento de estudos.
b) Os CSPOVA – Cursos predominantemente orientados para a vida activa.
No entanto enquanto os cursos das Escola Profissionais se iniciaram logo no ano lectivo de 1989/90 os novos cursos do ensino secundário apenas se iniciaram no ano lectivo de 1993/94. Voltaremos mais tarde a falar nestes novos cursos.
Mas, com tantos avanços da tecnologia informática, curiosamente a única escola secundária no distrito com um cursos de informática, a escola Secundária da Bela Vista, em Setúbal, continuava a ainda a possuir apenas os antigos computadores Bull, sem disco rígido, agora, em 1990, reduzidos apenas a três unidades. Daí que nesse ano, 1990, os alunos, professores e encarregados de educação apresentaram uma exposição à Direcção Geral de Educação de Lisboa, sobre o assunto. Como entretanto se tinham dado alterações na política nacional e foi possível mover algumas influências exteriores a Escola lá acabou por receber material mais actualizado passando os antigos Bull para a merecida aposentação após cinco anos de porfiadas e honestos serviços.
De salientar que no ano lectivo de 1990/91 já havia 60 cursos de informática a nível secundário em Portugal num total de 206 escolas. No distrito de Setúbal apenas existia o já mencionada curso da Escola Secundária de Bela Vista.
No início da década do noventa novos equipamento cada vez mais rápidos , completo e mais barato iam surgindo para grande desespero dos utilizadores que viam o seu equipamento, ”da última moda” rapidamente ser ultrapassado. Assim, em 1991, podia-se comprar em Setúbal um computador já com placa gráfica VGA, um disco de 40 Mega Bytes e com o novíssimo processador 386 por 3.500 euros actuais, cerca de 700 contos.
No ano seguinte começou a ser divulgado um novo sistema operativo, ainda baseada no MS-DOS, que dava pelo nome estranho de Windows. A versão então conhecida era a número 3.1 que rapidamente se espalhou e permitiu a democratização da informática.

Entretanto a procura de profissionais com cursos de informática estava a aumentar não só nos aspectos habituais da programação como também dos equipamentos. Por essa razão, no ano de 1993/94, a escola Profissional Bento de Jesus Caraça, na sua delegação de Setúbal, abriu o curso de Técnico de Manutenção e Equipamentos, virado para o equipamento e seus componentes electrónicos e com equivalência ao 12º ano. Este curso acabou, em Setúbal, no final do passado ano lectivo de 2003/04, quando encerrou a delegação de Setúbal daquela Escola Profissional.
No novo ano lectivo de 1993/94 começaram os novos cursos do ensino secundário. Nos cursos da via de ensino havia a chamada componente de Formação Técnica que podia ter disciplinas oferecidas pela escola dentro de uma lista possível. Uma das disciplinas era a ITI, Introdução às Tecnologias de Informação, que podia oferecida no 10º ano com seis horas semanais ou no 10º e 11º anos com três horas semanais em cada ano. O programa era muito ambicioso mas impraticável uma vez que as escolas não possuíam nem os equipamentos nem os programas necessários. Na maior parte das escolas metade do primeiro ano foi gasto nas matérias teóricas pois os prometidos computadores só começaram aparecer nas escola a partir de Janeiro de 1994... Os professores de ITI eram colegas vindos de todos os grupos que sabiam um pouco de informática e, com ajuda dos seus programas pessoais ou copiados, lá foram colmatando as lacunas oficiais. Uns anos mais tarde começaram a surgir nas escolas os colegas licenciados em informática que, a pouco a pouco, remeteram os “pioneiros” para os seus grupos de origem. Curiosamente repetiu-se, nos anos 90, na informática, o que sucedeu nos anos 10 com o ensino da electricidade em Portugal.
Os cursos ligados “à vida activa” eram agora denominados de Tecnológicos e assim foi criado o curso Tecnológico de Informática que substituiu os antigos Técnico – profissionais. Mas enquanto os anteriores tinham dez disciplinas técnicas os cursos modernos apenas continham quatro disciplinas na Formação Técnica.
Em Setúbal existia, desde os inícios dos anos 90, a Escola Profissional de Setúbal patrocinada pela respectiva câmara municipal. No ano lectivo de 1995/96 aquela escola abriu os cursos de Técnico de Informática- Gestão mais ligado à parte comercial e o cursos de Técnico de Informática mais virado para a programação e suas linguagens.
Com a abertura no ano lectivo de 1998/99 da escola Secundária D. Manuel Martins este estabelecimento passou também a ter cursos Tecnológicos de Informática para os quais tem aliás excelentes instalações.
No novo século, vida nova. Assim em 2001 um Despacho Conjunto dos ministérios da Educação e do Trabalho e Solidariedade organizou os chamados cursos “10º ano profissionalizante” destinados alunos maiores de 15 anos que tivessem concluído o 9º ano ou que tivessem frequentado o ensino secundários e não o concluíssem. Estes cursos davam equivalência ao 10º ano de escolaridade assim como um diploma profissional de nível II enquanto os cursos tecnológicos, com o 12º ano, forneciam um diploma de nível III. No passado ano de 2003/2004, na escola Secundária da Bela Vista, foi organizado um curso de “operador de informática” ao abrigo desta modalidade de formação. Foi um experiência para esquecer. Os alunos, pouco motivados, já com idades perto dos 20 anos e com poucos hábitos de trabalho ou foram desistindo ou arrastaram-se até ao final do ano com baixo rendimento escolar. Estes cursos retinham os alunos 35 horas por semana na escola e uma das disciplinas tinha uma carga horária de 465 horas. Com a introdução das aulas de 90 minutos esta carga horária traduziu-se em 620 lições anuais o que é absolutamente inconcebível. Este mesmo curso profissionalizante funciona na escola secundária D. Manuel Martins com resultados mais aceitáveis e são frequentados em geral pelos alunos com insucesso escolar nos cursos secundários.
Com a chegada deste actual ano lectivo novos cursos tecnológicos do ensino secundário deram início. Têm, na parte Técnica, três disciplinas fixas e uma de opção de entre duas outras disciplinas. Assim, neste ano lectivo, os alunos de Setúbal podem frequentar cursos Tecnológicos de Informática nas escolas secundárias D. Manuel Martins, ou, pela primeira vez, na escola secundária Lima de Freitas.
Igualmente o Instituto de Emprego e Formação Profissional tem cursos de informática para desempregados e jovens à procura do primeiro emprego. Estes cursos podem ser desde um mínimo de 35 horas, de “Competências básicas de informática”, até 1500 horas e do nível IV, como o curso de “Instalação e manutenção de redes e sistemas Informáticos”.
No entanto, apesar de já estarmos no presente, não acabaram ainda as inovações no ensino da informática. Com a implementação de mais uma reforma do ensino foi introduzida, e bem, digamos de passagem, no 9º e 10º anos uma disciplina sobre tecnologias de informação e comunicação , as chamadas TIC. Assim o Decreto-Lei n.º 209/2002, de 17 de Outubro, que alterou o Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, sobre a Reorganização Curricular do Ensino Básico, criou a disciplina de “Introdução às Tecnologias de Informação e Comunicação”, com um tempo semanal de 90 minutos no 9º e de dois tempos semanais de 90 minutos cada no 10º ano.
O texto oficial afirma “Este programa tem como finalidade fundamental promover a utilização generalizada, autónoma e reflectida das Tecnologias da Informação e Comunicação pelos alunos a partir do 9º ano e tem como ambição ser uma mais - valia na sua formação, promovendo as suas capacidades e aptidões para pesquisar, gerir, tratar, gerar e difundir informação. Pretende-se desenvolver estas competências básicas criando condições para, de forma autónoma e responsável, o aluno produzir os seus próprios materiais, investir na sua aprendizagem ao longo da vida, e, ao mesmo tempo, ter acesso a certificações externas decorrentes das exigências do mercado de trabalho e fazer face aos desafios da globalização.”.
Coitadas das TIC. Desde tornar o aluno responsável, colocá-lo a organizar e a difundir informação até a prepará-lo para os desafios da globalização de tudo será responsável no futuro...
Os programas apontam para no 9º ano se estudar os conceitos básicos, a Internet, assim como o processamento de texto e criação de apresentações. No 10 º ano serão então tratadas as folhas de cálculo, as bases de dados e a criação de páginas para Internet assim com o inevitável, está na moda, trabalho de projecto...
Como recursos necessários a autora do programa indica que “a disciplina de Tecnologias da Informação e Comunicação pressupõe a existência de um laboratório de informática equipado com hardware ajustado às características e exigências do software mais recente, e que permita um máximo de dois alunos por posto de trabalho, promovendo a formação recíproca.”. Para se atingir este objectivo o antigo ministro da educação , David Justino, afirmou , em 2002, que com a poupança de um professor nas áreas não disciplinares de “Estudo Acompanhado” e “Área de Projecto”, criadas em 1999 e inicialmente previstas para serem dada por dois professores, iria amealhar o dinheiro necessário, cerca de seis milhões de Euros, para comprar os equipamentos e programas para a nova disciplina. Esta medida desarticulou completamente os objectivos e a prática da área “Estudo Acompanhado” que passou a ser conhecida nas escolas como “o Estudo Desacompanhado” . Mas, se em troca os nossos alunos passarem a concluir o 9º ano com competências razoáveis nas tecnologias de informação e comunicação, então talvez poderemos aceitar o sacrifício desses milhares de vencimentos de professores como bem empregue.

 

 
 

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