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Setúbal – Cidade sem muros nem ameias

 

O segredo da intensa ocupação humana de Setúbal reside nas suas qualidades naturais. A riqueza dos recursos marítimos, os solos férteis ao redor, as vias de comunicação fáceis e a protecção da Serra Mãe, nas palavras de Sebastião da Gama, têm atraído e fixado desde há milhares de anos inúmeros povoadores e colonizadores.
A serra da Arrábida e o estuário do Sado com as suas vastas áreas ambientalmente protegidas são factores de identidade histórica e cultural da região de Setúbal e da sua cidade.

Na área do Parque Natural da Serra da Arrábida confrontamo-nos com um dos últimos e mais importantes santuários da floresta mediterrânica que integra um património natural único.
O rio Sado na sua cumplicidade com o espaço urbano determinou uma ocupação humana com mais de cinco mil anos.

Grande parte dos cerca de 22 900 hectares da Reserva Natural do Estuário do Sado corresponde a zonas húmidas, com grande produtividade e diversidade biológica. O estuário é responsável pela riqueza em vida animal e pelo grande valor das actividades económicas tradicionais da região.
Da vida animal destacam-se mais de uma centena de espécies de aves, sendo ainda possível encontrar mamíferos como o gamo, a raposa a lontra e o golfinho, entre muitos outros.

Na actual área urbana de Setúbal a presença humana mais significativa data da época romana. As indústrias de salga de peixe em Setúbal e Tróia fizeram do estuário do Sado, há cerca de dois mil anos, um dos maiores centros industriais do império romano.

Este complexo industrial teve a sua sorte ligada ao destino dos seus colonizadores. A pujante cidade romana acompanhou a progressiva regressão urbana das suas congéneres europeias e adaptou-se ao retorno à “economia natural” que caracteriza o ocidente medieval a partir do século V.

O ano de 1248 é assinalado pela independência religiosa face a Palmela e no ano seguinte é outorgada a autonomia administrativa expressa no foral concedido pelo Mestre da Ordem de Santiago. São datas que marcam o renascer luminoso deste espaço urbano que se afirma como lugar de eleição de actividade comercial e de intensa exploração dos recursos marítimos.

Nos séculos XV e XVI Setúbal é já uma próspera vila mercantil e industrial, constituindo-se como um dos principais centros exportadores de sal da Europa e acompanhando o esforço da construção naval ligada à expansão colonial portuguesa.

Do Sado parte uma esquadra para o Norte de África dirigida por Afonso V.
D. João II instala a corte em Setúbal em 1482. No dealbar do século XVI Setúbal adquire novo foral concedido por D. Manuel.
A importância estratégica e económica de Setúbal dita o seu protagonismo em vários momentos da história portuguesa durante o período “moderno” com destaque para a chamada “ocupação filipina”.

A cidade de Setúbal vai estar também ligada às alterações políticas provocadas pelo movimento liberal. Contudo, o que mais individualiza a Setúbal oitocentista é o início da sua progressiva industrialização. No início do século XX, aqui encontramos um dos maiores centros conserveiros da Europa com mais de 130 fábricas.
A década de 60 do século passado assiste a um ciclo de industrialização pesada, acompanhada de uma forte concentração urbana que não tem parado de crescer até aos dias de hoje.
Os antigos laranjais que perfumavam o corpo da cidade foram substituídos por urbanizações desarrumadas e tristonhas.

E no entanto esta cidade é tolerante, amiga e solidária e nela sobrevive a memória de momentos únicos vividos com a intensidade de um amor impossível.
Nessa memória se contém não só a adesão imediata e incondicional à implantação da República em 1910, mas também o clamor vibrante que saiu das entranhas da cidade no 25 de Abril de 1974.

Pelas ruas de Setúbal passaram então multidões generosas em marcha vertical e cidadã, a ensaiar um futuro melhor.
Por isso Zeca Afonso, seu filho adoptivo, lhe chamou ternamente “Cidade sem muros nem ameias”.


Albérico Afonso Costa
(Professor adjunto da ESE de Setúbal)